domingo, novembro 12, 2006

O crime errado




A notícia da condenação do sociólogo Emir Sader nos causa diferentes reações e incontáveis perguntas. Decidi, após os instantes iniciais de indignação, pensar no núcleo da questão que parece ser o conflito entre direitos.
A instauração do Estado Moderno trouxe um rol de direitos que foram chamados de civis por conferirem reconhecimento às pessoas comuns de um aporte de cidadania. Estes direitos foram incorporados através da Constituição, ou seja, o Estado se constituiu e ao mesmo tempo constituiu as pessoas que irão confirmá-lo e redirecioná-lo ao longo do tempo. Para isso, estabeleceu como premissa a igualdade e liberdade de todas as pessoas para que, através destes dispositivos, pudessem avaliar e discutir os assuntos pertinentes à vida privada ou pública, incluindo o próprio Estado na órbita de discussão.
Este núcleo de direitos oferecidos pelo Estado a cada um de seus cidadãos são chamados de direitos subjetivos (dos sujeitos). Assim, cada direito incluído na carta constitucional gera um direito subjetivo correspondente, qual seja, o de exigir seu cumprimento .
E como novos direitos vão sendo incluídos no rol de direitos do Estado?
Com o passar do tempo, novas necessidades aparecem no corpo social, confrontando o próprio Estado em suas deficiências. Um dos papéis da democracia é o de criar procedimentos que viabilizem as exigências sociais e as façam integrar através da elaboração legislativa de novos direitos.
Dito assim, parece tudo bem, mas existe uma linha de tensão que é a seguinte: o direito também diz o lícito e ilícito e o faz, em resumo, através de dois caminhos: o direito penal – mais grave por discutir a liberdade do sujeito, e o direito civil – mais leve por constranger seu patrimônio. Poderíamos dizer que a liberdade de cada sujeito colocada na Constituição é total, assim como do outro e do outro e assim sucessivamente. E que esta liberdade é total porque ela constitui o núcleo da própria idéia de Estado Democrático de Direito.
Diante disso, qualquer pessoa pode, exercendo seu direito de ser livre, chegar no limite da ilicitude, podendo, em alguns casos, ultrapassá-la, ainda sob a égide do direito inicial de liberdade.
Imagine o direito à greve. No início ele era ilícito, mas existia em cada trabalhador o direito de manifestação de sua liberdade que era exercido plenamente. Isso “empurrou” o limite da ilicitude a um ponto máximo que pôde se converter em direito aquilo que não era sequer lícito. É assim, através desta tensão, que se erigem os novos direitos.
No caso do professor Emir, ele utilizou a expressão máxima de sua liberdade enquanto cidadão, indignado pelo o que disse o outro cidadão, o Sr. Bornhausen, utilizando ambos da mesma liberdade conferida pela Constituição. Não são duas liberdades diferentes. Portanto, não se pode argumentar diferenças de local de onde se fala, de quem fala, etc. Não precisa chegar a isso. Qualquer um de nós poderíamos ter escrito ou falado o mesmo. Na verdade muitos de nós quisemos fazer isso. Emir fez.
Ao expor sua liberdade, ele foi limitado pelo direito penal. E isso é emblemático. Foi utilizado contra um cidadão comum o mais poderoso instrumento que o Estado dispõe para constranger aquelas atitudes graves, contrárias ao Estado de Direito.
E aqui se instala a inconformidade, a inquietação e a contradição.
Não foi colocado contra o sociólogo o instrumento civil, aquele capaz de ressarcir, redimir, retratar, reeditar, oferecer explicações ao público. Não. Este instrumento talvez fosse o mais indicado, pois faria que todos participassem da questão que foi tornada pública. Ao contrário, foi no âmbito penal, fora do círculo social de discussão, que se deu o trâmite do conflito. Um conflito tomado como se fosse individual, um crime de um cidadão contra a honra de outro cidadão, apartado do impacto dos efeitos sociais causados.
E pior, a sentença trouxe uma inverdade. O sociólogo foi afastado de sua cátedra, punição extrema e sem sentido, pois não foi deste lugar que foram ditas as palavras julgadas injuriosas, e, ainda que fosse, estaria recoberto pela liberdade nuclear de dizer o que se pensa, já exposta acima.
As tensões trazidas por estes debates costumam mostrar novos padrões sociais e a discussão sobre novos direitos, uma vez que, ainda que sejam necessários, a democracia não é composta apenas por procedimentos, ou seja, o jogo democrático não se resume às suas regras , mas principalmente ao seu conteúdo. A possibilidade de se colocar em discussão qual regra de direito deve ser aplicada a determinado caso pressupõe a ponderação de outros princípios também constitucionais. Trata-se de construir direitos através de valores sociais , de perceber se o que se aplica pelos Tribunais é o que a sociedade determina ou se ele ainda está impregnado de opções de fundo político e ideológico.





3 comentários:

Ivson disse...

Mana, duas coisas:

1. O último parágrafo está escrito em juridiquês idiomático.
2. Quer dizer que injúria, calúnia e difamação são da ordem penal e não civel, é?

Bj

Ivson disse...

Ah! Agora sim!! :)

Bj

Eliana Tavares disse...

Essa condenação me parece mais uma cassação de direito (se usa isso?)!
Não consigo acessar o blog do Ivson!
Bjs