quinta-feira, outubro 25, 2007

Mãe é mãe e são todas iguais !!!


A novidade legislativa é a possibilidade de ampliação do prazo de licença maternidade de quatro para seis meses. É importante lembrar que:

1- O projeto faz parte de um Programa para empresas, que receberão vantagens fiscais;
2- A empresa deve estar cadastrada no Programa;
3- A mãe deve ter vínculo empregatício com a empresa;
4- A mãe será beneficiada se ela quiser;
5- A mãe não pode exercer nenhuma atividade remunerada no período da licença;
6- A criança deve estar em casa, não podendo ser colocada em creche ou situação semelhante


O projeto de Lei 281/05 da Senadora Patrícia Saboya que visa o aumento do prazo de licença maternidade pode vir a ser uma Lei “saia-justa”: se você fala bem, erra, se fala mal, parece um tirano.

É preciso que se diga que o aumento do prazo da licença maternidade em dois meses é, em si, louvável. Inúmeros estudos comprovam a importância do laço afetivo estabelecido entre a mãe e o bebê e também, não podemos esquecer disso, o principal fundamento da licença é a amamentação e a vacinação, cuidados imprescindíveis para com a criança. A lei supõe que a mãe em casa vai cuidar exclusivamente do seu bebê, o alimentando adequadamente e cumprindo o calendário vacinal, o que traz benefício direto às famílias e à sociedade como um todo, pois crianças bem nutridas e vacinadas é sinônimo de crianças saudáveis, fora dos hospitais e das taxas de mortalidade oficiais.

A licença maternidade é um benefício de evidente interesse social, matéria de Saúde Pública, com reflexo na Previdência Social, cujo fundamento de implantação provém do direito à saúde, determinado constitucionalmente.

A Constituição Federal, no título “Da Ordem Social, seção II “Da Saúde” , estampa no seu primeiro dispositivo de número 196 o seguinte:

“a saúde é um direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doenças de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação."

No mesmo título, na seção III,“ Da Previdência Social”, o artigo 201, determina quais serão as demandas a serem atendidas pela Previdência, e diz em seu inciso II: “ proteção à maternidade, especialmente à gestante”

O Estatuto da criança e do Adolescente, coloca no Poder Público e na sociedade a responsabilidade com suas crianças e adolescentes. Em seu artigo 4º mostra que é dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público em particular, assegurar, com absoluta prioridade a efetivação dos direitos à vida, à saúde, à alimentação , entre outros, e complementa :

Parágrafo Único: “a garantia de prioridade compreende: (...) c) preferência na formulação e na execução de políticas sociais públicas”.

Na mesma Lei, em seu título II “Dos Direitos Fundamentais”, capítulo I “Do direito à Vida e à Saúde”, diz o parágrafo 3º do artigo 8: “Incumbe ao poder público propiciar apoio alimentar à gestante e à nutriz que dele necessitem.”

Até mesmo o Código Civil, historicamente um diploma legal conservador, sempre determinou a obrigação alimentar de sustento, proveniente do fato de ser pai e mãe, protegido vigorosamente pela execução forçada com possibilidade de prisão civil.

Sendo notoriamente de interesse social, cabe ao Estado a sua manutenção, até porque (veja de novo aí em cima) as políticas econômicas e sociais implementadas para a saúde devem ter cunho UNIVERSAL E IGUALITÁRIO. Assim, sendo pacífica a necessidade de ampliação da licença por fundamento de saúde da criança , todas as mulheres do Brasil que se encontrem na situação de cuidado a uma criança recém nascida, seja por nascimento natural seja pelo procedimento de adoção, devem ter o mesmo direito de alimentar seu bebê por 6 (seis) meses. Excluir mulheres deste direito é inconstitucional, e pior, vergonhoso.

E isso vai acontecer. A Lei é para criação de um programa para as empresas, com adesão voluntária das mulheres. E as trabalhadoras domésticas? E aquelas cuja empresa não aderir ao programa? E, pior de tudo, as funcionárias públicas? Nem o próprio Poder Público admitirá a suas funcionárias tal direito! Qual a razão existencial, técnica ou social que as fariam ficar fora deste benefício, de profundo interesse público ?

Diante disso, se está correta a ampliação do prazo, está errado quem paga a conta. Não se pode deixar um assunto tão importante para as contas públicas e para a política de saúde nas mãos de empresários que só visam o lucro a qualquer preço. Se existe previsão legislativa e interesse do povo brasileiro, então o Estado deve arcar com o benefício. Para todas as mulheres.

O texto e a fundamentação do Projeto de Lei número 281/05 da Senadora Patrícia Saboya do PDT do Ceará está no link:

segunda-feira, outubro 15, 2007

Deficientes cívicos

Um presente aos professores deste país: um belo texto do Professor Milton Santos, publicado no Caderno Mais! da Folha de São Paulo , em 24 de janeiro de 1999.
Feliz Dia dos Professores a todos nós!!!!

Em tempos de globalização, a discussão sobre os objetivos da educação é fundamental para a definição do modelo de país em que viverão as próximas gerações.

Em cada sociedade, a educação deve ser concebida para atender, ao mesmo tempo, ao interesse social e ao interesse dos indivíduos. É da combinação desses interesses que emergem os seus princípios fundamentais e são estes que devem nortear a elaboração dos conteúdos do ensino, as práticas pedagógicas e a relação da escola com a comunidade e com o mundo.

O interesse social se inspira no papel que a educação deve jogar na manutenção da identidade nacional, na idéia de sucessão das gerações e de continuidade da nação, na vontade de progresso e na preservação da cultura. O interesse individual se revela pela parte que é devida à educação na construção da pessoa, em sua inserção afetiva e intelectual, na sua promoção pelo trabalho, levando o indivíduo a uma realização plena e a um enriquecimento permanente. Juntos, o interesse social e o interesse individual da educação devem também constituir a garantia de que a dinâmica social não será excludente.

Em todos os casos a sociedade será sempre tomada como um referente, e, como ela é sempre um processo e está sempre mudando, o contexto histórico acaba por ser determinante dos conteúdos da educação e da ênfase a atribuir aos seus diversos aspectos, mesmo se os princípios fundamentais permanecem intocados ao longo do tempo. Foi dessa forma que se deu a evolução da idéia e da prática da educação durante os últimos séculos, paralelamente à busca de formas de convivência civilizada, alicerçadas em uma solidariedade social cada vez mais sofisticada.

As modalidades sucessivas da democracia como regime político, social e econômico levaram, no após guerra, à social-democracia. A história da civilização se confundiria com a busca, sempre renovada, e o encontro das formas práticas de atingir aqueles mencionados princípios fundamentais da educação, sempre a partir de uma visão filosófica e abrangente do mundo.
Esse esforço, para o qual contribuíram filósofos, pedagogos e homens de Estado, acaba por erigir como pilares centrais do sistema educacional: o ensino universal (isto é, concebido para atingir a todas as pessoas), igualitário (como garantia de que a educação contribua a eliminar desigualdades), progressista (desencorajando preconceitos e assegurando uma visão de futuro). Daí, os postulados indispensáveis de um ensino público, gratuito e leigo (esta última palavra sendo usada como sinônimo de ausência de visões particularistas e segmentadas do mundo) e, dessa forma, uma escola apta a formar concomitantemente cidadãos integrais e indivíduos fortes. Aliás, foram essas as bases da educação republicana, na França e em outros países europeus, baseada na noção de solidariedade social exercida coletivamente como um anteparo, social e juridicamente estabelecido, às tentações da barbárie.

A globalização, como agora se manifesta em todas as partes do planeta, funda-se em novos sistemas de referência, em que noções clássicas, como a democracia, a república, a cidadania, a individualidade forte, constituem matéria predileta do marketing político, mas, graças a um jogo de espelhos, apenas comparecem como retórica, enquanto são outros os valores da nova ética, fundada num discurso enganoso, mas avassalador. Em tais circunstâncias, a idéia de emulação é compulsoriamente substituída pela prática da competitividade, o individualismo como regra de ação erige o egoísmo como comportamento quase obrigatório, e a lei do interesse sem contrapartida moral supõe como corolário a fratura social e o esquecimento da solidariedade. O mundo do pragmatismo triunfante é o mesmo mundo do "salve-se quem puder", do "vale-tudo", justificados pela busca apressada de resultados cada vez mais autocentrados, por meio de caminhos sempre mais estreitos, levando ao amesquinhamento dos objetivos, por meio da pobreza das metas e da ausência de finalidades. O projeto educacional atualmente em marcha é tributário dessas lógicas perversas. Para isso, sem dúvida, contribuem: a combinação atual entre a violência do dinheiro e a violência da informação, associadas na produção de uma visão embaralhada do mundo; a perplexidade diante do presente e do futuro; um impulso para ações imediatas que dispensam a reflexão, essa cegueira radical que reforça as tendências à aceitação de uma existência instrumentalizada.

É nesse campo de forças e a partir dessa caldo de cultura que se originam as novas propostas para a educação, as quais poderíamos resumir dizendo que resultam da ruptura do equilíbrio, antes existente, entre uma formação para a vida plena, com a busca do saber filosófico, e uma formação para o trabalho, com a busca do saber prático.

Esse equilíbrio, agora rompido, constituía a garantia da renovação das possibilidades de existência de indivíduos fortes e de cidadãos íntegros, ao mesmo tempo em que se preparavam as pessoas para o mercado. Hoje, sob o pretexto de que é preciso formar os estudantes para obter um lugar num mercado de trabalho afunilado, o saber prático tende a ocupar todo o espaço da escola, enquanto o saber filosófico é considerado como residual ou mesmo desnecessário, uma prática que, a médio prazo, ameaça a democracia, a República, a cidadania e a individualidade. Corremos o risco de ver o ensino reduzido a um simples processo de treinamento, a uma instrumentalização das pessoas, a um aprendizado que se exaure precocemente ao sabor das mudanças rápidas e brutais das formas técnicas e organizacionais do trabalho exigidas por uma implacável competitividade.

Daí, a difusão acelerada de propostas que levam a uma profissionalização precoce, à fragmentação da formação e à educação oferecida segundo diferentes níveis de qualidade, situação em que a privatização do processo educativo pode constituir um modelo ideal para assegurar a anulação das conquistas sociais dos últimos séculos. A escola deixará de ser o lugar de formação de verdadeiros cidadãos e tornar-se-á um celeiro de deficientes cívicos.
É a própria realidade da globalização _tal como praticada atualmente_ que está no centro desse debate, porque com ela se impuseram idéias sobre o que deve ser o destino dos povos, mediante definições ideológicas sobre o crescimento da economia, como a chamada competitividade entre os países. As propostas vigentes para a educação são uma consequência, justificando a decisão de adaptá-la para que se torne ainda mais instrumental à aceleração do processo globalitário. O debate deve ser retomado pela raiz, levando a educação a reassumir aqueles princípios fundamentais com que a civilização assegurou a sua evolução nos últimos séculos _os ideais de universalidade, igualdade e progresso_, de modo que ela possa contribuir para a construção de uma globalização mais humana, em vez de aceitarmos que a globalização perversa, tal como agora se verifica, comprometa o processo de formação das novas gerações.

Milton Santos é geógrafo, professor emérito da USP e autor, entre outros, de "A Natureza de Espaço" (ed. Hucitec).

terça-feira, outubro 02, 2007

Violaram a Maria da Penha!!!!!



Mal nasceu e a Lei 11.340 de 7/8/2006,(aquela que criminaliza a violência doméstica ) já está sendo desobedecida pelos juizes. É que fez a 2ª Turma do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul, quando manteve a decisão do juiz Bonifácio Hugo Rausch da Comarca de Itaporã. Este entendeu ser a Lei Maria da Penha inconstitucional por ferir a igualdade entre homens e mulheres pois, segundo ele, se ambos têm direitos fundamentais iguais, porque privilegiar as mulheres? E continua seu raciocínio, dizendo que as mulheres deveriam ter sido incluídas, no texto da lei, como passíveis de serem rés, quando os homens fossem vítimas. O juiz ainda reclama que o texto de lei não deixa brechas para interpretação, o que inviabiliza a ação do judiciário no caso concreto.

Eis o que não perceberam nem o juiz nem o Egrégio Tribunal :

1-A Lei Maria da Penha está no rol das leis especiais, aquelas cujo conteúdo se voltam para a parcela de pessoas cuja situação é vista, pela sociedade, como merecedora de tutela específica. Assim acontece com os Consumidores, Idoso, Crianças e Adolescentes. Em outras palavras, qualquer estrato da sociedade que figure - ainda que momentaneamente - naquela situação, estará recoberto pela lei. Isso retira a idéia de discriminação.

2- A Lei Maria da Penha explica a que veio já no início do texto, onde se lê:

“Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8o do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências.”

Portanto, a Lei foi elaborada exatamente para eliminar a discriminação contra a mulher, notória e historiada por todos os setores sociais. Vem tornar prático um mandamento constitucional e dois Tratados Internacionais dos quais o Brasil é signatário.

3- A Lei tem legitimidade social, por estar respaldada em amplo debate social, cujo núcleo foram os diversos movimentos de mulheres, estudada e discutida por cientistas sociais e muito festejada por juristas, imprensa e população brasileira.

4- Com relação às “brechas para interpretação”, ao se ler a Lei, percebe-se a existência de pelo menos um COMANDO para o juiz, que DEVE obedecer às determinações legais quando se mostra uma situação de violência, conforme artigo abaixo:

“Art. 18. Recebido o expediente com o pedido da ofendida, caberá ao juiz, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas:
I - conhecer do expediente e do pedido e decidir sobre as medidas protetivas de urgência; II - determinar o encaminhamento da ofendida ao órgão de assistência judiciária, quando for o caso; III - comunicar ao Ministério Público para que adote as providências cabíveis.”

5- A Lei sempre apresenta um conteúdo geral, e ao aplicá-la, o juiz pode adequar a idéia colocada na lei ao caso que tem em mãos para decidir. No entanto, ao juiz não cabe criar lei nova, sozinho, só porque ele acha que a lei não é boa. Para isso, existem Associações dos Magistrados, OAB, e outras organizações nas quais os juizes, como qualquer cidadão, têm voz para debater suas opiniões e convicções.

6- Apesar do Congresso Nacional e o Senado não estarem apresentando dignamente o papel social que lhes impõe a democracia, qual seja, o de representar a vontade do povo, ainda é nessas casas que as discussões devem ser colocadas diante da sociedade civil. Não na mesa particular de um juiz, que, diga-se de passagem, sequer foi escolhido pelo povo para criar leis .

7- Não bastasse isso, o argumento de que a Lei Maria da Penha é discriminatória, afronta qualquer raciocínio jurídico primário.

A idéia de Igualdade mais básica, a chamada Igualdade formal, diz que “todos são iguais perante a lei”. O cenário das relações sociais, no entanto, iria aos poucos confirmar que essa igualdade, apenas formal, era insuficiente para não privilegiar nem discriminar, já que as pessoas na vida real não apresentam idênticas condições sociais, econômicas, psicológicas, etc. Diante disso, foi adotada um novo tipo de Igualdade – a substancial, que prevê a necessidade de tratar as pessoas, quando desiguais, conforme sua desigualdade. É pacífico na jurisprudência que ambas as Igualdades devem ser levadas em conta pelo juiz. É a máxima: “os desiguais devem ser desigualmente tratados para alcançarem a igualdade”.

Os Estados hoje têm em sua pauta a reivindicação social de um direito à diferença, ao invés da identidade humana comum sem uma reflexão inteligente. O Direito deve contemplar além das diferenças imediatamente visíveis (tais como Homens e Mulheres, Ricos e Pobres, Crianças e Adultos, Jovens e Idosos), as diferenças encontradas na diversidade cultural e histórica. Ele deve deixar de procurar uma identidade única, cuja idéia central é “todos somos os mesmos seres humanos”, para buscar resolver conflitos nascentes do reconhecimento do outro enquanto um ser diferente.

Diante deste quadro, as decisões proferidas pelo juiz da Comarca, e ratificadas pelos Desembargadores, em um colegiado de notáveis, se mostra desconectada do mundo e sem fundamento jurídico nenhum.

A esses que, como dizia Cazuza, “vieram ao mundo e perderam a viagem”, indico dois livros entre dezenas que tratam do assunto: O livro da Profª Maria Celina Bodin de Moraes (Danos à pessoa Humana - Uma leitura Civil-Constitucional dos Danos Morais), e do Prof. Luiz Edson Fachin (Teoria Crítica do Direito Civil).

E fim de papo.