sexta-feira, maio 14, 2010

Um pouco de Direito Internacional...

Tempos atrás, escrevi aqui sobre o Aquífero Guarani ("Por Água abaixo" http://diversosdireitos.blogspot.com/2007/04/por-gua-abaixo.html)

e...vejam! ele está novamente sob os refletores!

Vale a pena ler os comentários do meu irmão, publicad em seu site "Coleguinhas, Uni-vos!"

http://coleguinhas.wordpress.com/


LUZ...CÂMERA...GEOPOLÍTICA

“Se os fatos não se encaixam na teoria, modifique os fatos”. A blague de Albert Einstein sempre foi levada a sério no Departamento de Estado dos EUA, com uma pequena modificação: “se os fatos não se encaixam na teoria, faça-se um filme”. Assim, depois de “Avatar” – no qual “bons americanos” se uniam a “bons selvagens” para salvar um planeta-selva-amazônica da ganância de uns sujeitos maus feito picapaus -, Hollywood, que anda sem grana, prepara-se para dar mais uma mãozinha à política externa dos EUA (como nos velhos tempos da Guerra Fria).

Kathryn Bigelow, devidamente oscarizada por “Guerra ao terror”, começou a pré-produção de “Triple Frontier”, filme no qual ela pretende demonstrar que a comunidade árabe que vive entre Brasil Argentina e Paraguai financia o terrorismo internacional. Há anos, os americanos afirmam que essa conexão existe. O problema é que, mesmo usando todo o aparato da espionagem do século XXI – incluindo monitoramento eletrônico remoto, inclusive o Echelon - e do século passado (grampos, infiltração etc), nunca conseguiram provar nada.

“Então, por quê insistir?”, perguntará você. Bem, do que a gente se lembra quando se fala em Foz do Iguaçu? Pois é, das cataratas, certo? Pois elas são a manifestação espetacular do Aquífero Guarani, a segunda reserva mundial de água (onde fica a primeira? Caramba! Como você é inteligente! Isso mesmo, na Amazônia). A preocupação dos EUA em ter o controle desta imensa reserva de água doce (1,2 milhões de km²) é bem anterior a sua preocupação com o terrorismo internacional, mas, aproveitando o tema terror, firmou, em 2005, um acordo militar com o Paraguai, no qual, dentre outras, está uma cláusula em que os 500 militares americanos localizados na base de Mariscal Estigarríbia têm total imunidade. O governo de Fernando Lugo denunciou-o (no sentido diplomático, de rejeitar), em setembro de 2009, e o mundo lhe caiu sobre a cabeça.

Como também não tem encontrado apoio no Brasil e na Argentina, o Departamento de Estado, então, resolveu apelar para a sua segunda arma mais potente (perde apenas para as bombas de hidrogênio): Hollywood.

Não perca os emocionantes novos capítulos deste novo seriado!

sábado, maio 08, 2010

Aos Ministros do Supremo Tribunal Federal



A Constituição Federal de 1988 confere direitos territoriais aos remanescentes de Quilombos e as diversas realidades territoriais existentes , tais como os Fundos de Pasto, Faxinais entre outros. Desde então, esse direito tem sido questionado, negado, invisibilizado e abandonado conscientemente por aqueles que têm, de uma forma ou de outra, interesses nas terras desses grupos.

Esse abaixo assinado é uma manifestação por um direito existente e inquestionável, previsto constitucionalmente há 22 anos e referendado por pesquisadores.



Aos Ministros do STF

Está para ser julgada no Supremo Tribunal Federal brasileiro a Ação Direta de Inconstitucionalidade 3239, de relatoria do Ministro Cezar Peluso. Nessa ação, proposta em 2004 pelo antigo partido da Frente Liberal(PFL), atualmente denominado como Democratas (DEM), questiona-se o conteúdo do Decreto Federal 4887/2003 que regula a atuação da administração pública para efetivação do direito territorial étnico das comunidades de remanescentes de quilombo no Brasil.
Dados os desafios que o tema põe aos avanços no domínio do aprofundamento da democracia e da justiça histórica que a sociedade brasileira experimentou na última década, tomei a iniciativa de submeter à consideração pública esta abaixo-assinado a enviar a Sua Excelência o Presidente do STF.


Boaventura de Sousa Santos
Professor da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra
Distinguished Legal Scholar da Universidade de Wisconsin-Madison
Global Legal Sch olar da Universidade de Warwick


Diante das polêmicas relativas às demarcações de territórios quilombolas, imputando às comunidades negras inúmeras “falsidades” e aos antropólogos “oportunismo”, e pondo em questionamento as políticas públicas de reconhecimento de direitos constitucionais, às vésperas de julgamento da questão pelo Supremo Tribunal Federal ( STF), os abaixo assinados vêm declarar o seguinte:
1. A Constituição de 1988 afirmou o compromisso com a diversidade étnico-cultural do país, com a preservação da memória e do patrimônio dos “diferentes grupos formadores da sociedade” e reconheceu a propriedade definitiva dos “remanescentes de comunidades de quilombos” às terras que ocupam.
2. Ao Estado competiria emitir os respectivos títulos relativamente a tais terras. Não se criavam condições constitucionais para efetivação de tal direito, exceto a opressão histórica advinda do processo de escravidão e a posse de tais terras.
3. A primeira regulamentação somente veio a ocorrer em 2001, quase treze anos pós-Constituição, exigindo, no entanto, a comprovação da ocupação desde 1888 para garantia do direito. Seria, em realidade, estabelecer condições mais rigorosas para a aquisição de propriedade definitiva que aquelas estabelecidas para usucapião. Quis, também, congelar o conceito de quilombo no regulamento de 1740, norma evidentemente repressiva do período colonial. Um evidente contrassenso e uma afronta ao reconhecimento de um direito constitucional. Não à toa o decreto não se manteve, por inconstitucionalidade flagrante.
4. A nova regulamentação, agora atacada por ação de inconstitucionalidade, veio em 2003, tendo como parâmetros instrumentos internacionais de direitos humanos, que preveem, dentre outras coisas, a auto-definição das comunidades e a necessidade de respeito de suas condições de reprodução histór ica, social e cultural e de seus modos de vida característicos num determinado lugar. Os antropólogos, portanto, não inventaram realidades: captaram uma realidade já existente, normatizada internacionalmente e com vistas a assegurar direitos fundamentais. Uma audiência pública para maiores esclarecimentos, tal como ocorreu nas ações afirmativas, células-tronco e anencefalia, seria importantíssima.
5. Ficou estabelecido, como forma de defesa da comunidade contra a especulação imobiliária e os interesses econômicos, que tais terras fossem de propriedade coletiva ( como sempre o tinham sido, historicamente) e inalienáveis. Esta condição de “terras fora de comércio”, aliada ao grau de preservação ambiental, é que explica, em parte, a cobiça de mineradoras, empresas de celulose e grandes empreendimentos.
6. Este longo processo de construção jurídica e sócio-antropológica é emblemático dos desafios postos pela Constituição de 1988: o combate ao racismo, a prevalência dos direitos humanos, o reconhecimento da diversidade sócio-cultural como valor fundante do “processo civilizatório nacional” e da própria unidade nacional, a função socioambiental da propriedade , com distintas formas de manejo sustentável dos territórios pelas variadas comunidades culturais existentes no país.
7. Uma inflexão na jurisprudência do STF de respeito ao pluralismo e aos direitos humanos pode implicar a revisão de políticas de reconhecimento com vistas a uma “sociedade livre, justa e solidária”, o acirramento da discriminação anti-negros e a conflagração de novos conflitos fundiários, num país com histórica concentração de terras em poucas mãos. Tudo a gerar descrédito das minorias no reconhecimento estatal e insegurança no próprio exercício de seus direitos fundamentais.
8. A Corte Interamericana vem reconhecendo a propriedade para as comunidades negras, tendo em vista a Convenção Americana, e a OIT entendeu-lhes aplicável a Convenção nº 169 e a importância da relação com as terras que ocupam ou utilizam para sua cultura e valores espirituais. O Brasil firmou os dois tratados, e a comunidade internacional espera que sejam cumpridos. O momento é, pois, de apreensão, vigilância e também de confiança de que o compromisso, constante da Constituição de 1988, de prevalência dos direitos humanos, seja reafirmado de forma veemente para estas comunidades, que vem sofrendo, historicamente, um grande processo de exclusão.

Boaventura de Sousa Santos

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