segunda-feira, abril 16, 2007

Chamem o ladrão!!

Sempre adorei os piratas. Me fantasiava no carnaval e me emocionava com as histórias de um homem com cara de mau e risada de Papai Noel ( hohoho) embotada de rum. O lado sombrio e os anti-heróis charmosos sempre empolgaram as platéias : do lobo mau ao Jaba, do Pingüim ao Darth Vaden, às vezes carregam mais um atributo: são lindos. Desde Butch Cassidy , os atores mais bonitos do cinema são escolhidos a dedo para representar o lado mau da história, como para nos alertar que as aparências enganam. O lado bom, representado por heróis arrumadinhos e com imenso sentimento público, ganhava no final, não sem antes existir a chance de um retorno mais arrepiante do perdedor.

Até mesmo os bicheiros eram diferentes. No Rio antigo, onde cheio de boa intenção o Barão de Drummond lançou o Jogo do Bicho para promover seu zoológico recém inaugurado, a contravenção convivia placidamente com os habitantes, quase como uma forma de manifestação popular que transformava sonhos com animais em palpites e, sobretudo, com a certeza inquestionável do pagamento no caso de se ser o ganhador. Valia o que estava escrito.

O mundo se tornou complexo, e complexa se tornou a manutenção da contravenção. Os anti-heróis dos subúrbios cariocas (quem não viu o Boca de Ouro do Nelson Rodrigues, veja por favor...) se tornaram poderosos integrantes do comércio internacional.

E os mocinhos?

Estão nas faculdades de Direito pagas pelos bandidos para se tornarem magistrados, procuradores e advogados. E se tornam excelentes profissionais – basta ouvir a entrevista do advogado do ( atenção!) Ministro do Superior Tribunal de Justiça acusado de prestar favor ao irmão concedendo liminares, para ver que ele aprendeu direitinho as aulas de direito constitucional: alega indignado, que o uso do bom nome do Ministro coloca em cheque o Estado Democrático de Direito!!! Como se ele fosse composto apenas do judiciário!

É necessário o enfrentamento da questão seriamente. Essas pessoas passam cinco anos com professores dentro de faculdades?Quais são elas? Fazem vestibulares? Prestam concursos públicos com seriedade? Quem está na banca desses concursos? Onde está o órgão de classe que supervisiona os profissionais? E os corregedores ?

O Estado Democrático de Direito nos custou anos de história, e apesar de muita coisa ruim, é o que temos até pensarmos em algo melhor. Para isso deveria servir os doutrinadores do país que, ao invés de se debruçarem sobre as questões públicas, ficam vendendo livros com discussões de compadrio. Visando a organização social e a publicidade da esfera pública que deveriam lecionar os professores das Universidades Públicas, funcionários do povo que são.

A Associação dos Magistrados Brasileiros em seu site, escreve nota pública de 10 ridículas linhas para defender a apuração dos fatos. Sim, isso é obvio, mas até o julgamento da quadrilha de toga , eles continuarão recebendo salário do Estado? Continuaremos bancando os advogados e o luxo seu e de sua família até o trânsito em julgado da sentença? Terão direito à sua gorda aposentadoria?

Por favor, respondam minhas perguntas não com a lei, que eu já conheço, mas com mesma vergonha que sinto hoje em portar um diploma de Direito.

sábado, abril 14, 2007

Por água abaixo

O plano de gestão do Aqüífero Guarani, a maior reserva de água subterrânea do mundo não foi pra frente. Os países diretamente envolvidos – Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai – não conseguiram estabelecer uma normatização plausível para organizar a exploração sustentável do manancial. Enquanto isso, a OEA e o Banco Mundial, de olho no potencial econômico, já estão financiando sua proteção.

As legislações de cada país integrante versa de maneira diferente sobre as águas, e o Brasil, país sob o qual está 80% do Aqüífero, apresenta também internamente uma legislação confusa.

O Código Civil Brasileiro (art. 99,I) diz que rios e mares são bens públicos de uso comum do povo , o que significa que não se pode vender nem podem ser objetos de usucapião (ganho do direito de propriedade pelo decurso do tempo) .

A Constituição Federal (art.20,III) diz que os lagos, rios e quaisquer correntes de água em terrenos de seu domínio ou que banhem mais de um estado da federação, ou que sirvam de limites com outros países são bens da União, o que, de certa maneira, confirma o proposto no Código Civil: são do povo, geridos pela União, seu representante.

A grande confusão começa com o estabelecimento das competências. Competência é quem tem o direito constituído para regulamentar determinada questão.

O artigo 22,IV da Constituição diz que é competência privada da União legislar sobre águas (só a União pode legislar, mas também pode mandar o estado fazê-lo). O artigo 23,XI diz que a competência é comum da União, dos Estados, Territórios e dos Municípios na exploração de recursos hídricos (todos os entes federativos legislam juntos) e o artigo 24,VI e VII fala de concorrência concorrente entre União, Estados e Distrito Federal sobre proteção do meio ambiente e do patrimônio paisagístico(ou seja, a União vai estabelecer normas gerais e os demais entes complementam).

A base desta confusão é que ninguém havia pensado muito seriamente em água no sentido de bem comum do povo brasileiro – porque sendo comum é de todos , e para o direito vigente , o que é de todos pertence ao Estado (que tradicionalmente é visto como ente representante da vontade geral). O problema é que a água do aquifero ultrapassa este sentido tão pequeno. Ela é de cada um dos nacionais ( brasileiros, argentinos, paraguaios e uruguaios), e ao mesmo tempo é de todos os povos do planeta Terra. A água quebra a idéia moderna de poder exclusivo e excludente sobre um bem, da soberania absoluta, o que mostra efeitos complicados para sistema jurídico atual.

O sistema jurídico clássico não comporta a idéia de gestão superposta com igual intensidade e legitimidade . A gestão da água e da natureza é para o mundo jurídico clássico o que gato de Schodinger representa para a física clássica – um paradoxo.

Um gato está fechado em uma câmara de aço, junto ao diabólico dispositivo seguinte (que deve assegurar-se contra uma interferência direta por parte do gato): num contador Geiger há um pedacinho de uma substância radioativa, tão pequeno, que talvez no transcurso de uma hora se desintegre um átomo, mas também poderia ocorrer com igual probabilidade que nenhum átomo se desintegrasse; se ocorre o primeiro, produz-se uma descarga no tubo e mediante um relê libera-se um martelo que rompe um frasquinho de ácido cianídrico. Se se deseja que o sistema completo funcione durante uma hora, diríamos que o gato viverá se nesse tempo não tenha desintegrado nenhum átomo. A primeira desintegração atômica o envenenará.

Nas nossas mentes está absolutamente claro que o gato deve estar vivo ou morto. Por outro lado, segundo as regras da mecânica quântica, o sistema total dentro da caixa se encontra numa superposição de dois estados um com o gato vivo e o outro com o gato morto. Mas qual sentido podemos dar a um gato vivo-morto?

O paradoxo da água e da natureza está na possibilidade de uma superposição jurídica cumulativa, não excludente, que nos coloca gestores coletivos de uma natureza constantemente em suspensão . Para ela e para as águas não existem competências, existe apenas seu curso , e as pessoas são os observadores/gestores que testemunharão a possibilidade de vida E morte, sempre e ao mesmo tempo, na constância do seu uso .

Integrar políticas públicas não vai melhorar o problema, apenas vai postergá-lo com infindáveis batalhas jurídicas nacionais e internacionais, até o momento que possamos construir um sistema jurídico que ultrapasse o legado moderno e rompa definitivamente com a estrutura proprietária individual, pelo menos na gestão dos bens socioambientais.