terça-feira, novembro 17, 2009

ONGs repudiam acordo entre Minc e Stephanes sobre Código Florestal


Já foi postado neste blog ( em 16/1/2008 " Usos e abusos das Medidas Provisórias" ) que importantes decisões nacionais estão sendo determinadas por meio de Medida Provisória, instrumento legal inadequado para um país que está caminhando para a consolidação da transparência em todas as esferas políticas.

Abaixo está transcrita uma carta aberta ao ministro do Meio Ambiente Carlos Minc, contra acordo com o Ministério da Agricultura para modificar o Código Florestal por meio de uma Medida Provisória (MP), que pode ser publicada esta semana. Segundo as organizações que assinam o documento, entre os pontos que podem ser modificados estão a compensação de reservas legais em locais distantes, embora no mesmo bioma, e a recuperação com espécies exóticas. Leia abaixo a íntegra da carta. Maiores detalhes, ver http://www.socioambiental.org/noticias/


Mais um remendo no Código Florestal não é a solução!

Senhor Ministro,

Os esforços empreendidos por Vossa Senhoria para assegurar que o Brasil assumisse compromissos concretos de redução de emissões de gases efeito estufa são louváveis.

Do mesmo modo, a redução da taxa de desmatamento da Amazônia é um resultado concreto que coloca o Brasil em excelentes condições de liderança no que diz respeito à Convenção de Mudanças Climáticas. Esse resultado só foi possível pelos esforços empreendidos pelo governo no sentido de fazer valer a legislação florestal.

Por essa razão nos causa imensa preocupação a noticia divulgada pela imprensa sobre um acordo feito no âmbito do Governo Federal para modificar o Código Florestal por meio de uma Medida Provisória (MP). Além de ser um meio inapropriado para tratar de um tema tão complexo e importante como a alteração da legislação florestal, o conteúdo desse acordo é inaceitável, pois quebra alguns dos pilares básicos da legislação, incluindo pontos que V. Sa. havia assegurado que jamais seriam aceitos por parte desse Ministério, como a compensação de reservas legais em locais a milhares de quilômetros da área onde deveriam estar, ou a recuperação dessas com espécies exóticas, dentre outros.

O acordo feito, se transformado em lei, irá jogar por água abaixo os esforços de recuperação ambiental em boa parte do território nacional, onde vive a maior parte da população brasileira, e permitir a ocupação desordenada de áreas ambientalmente sensíveis, o que contribuirá para a perpetuação de eventos como as enchentes e desabamentos de Santa Catarina.

Um tema de tamanha relevância para o desenvolvimento do país não pode ser decidido dessa forma, por via de MP, sem a participação aberta e transparente da sociedade. O Congresso Nacional tem discutido esse tema em diferentes fóruns, promovendo o debate com os diversos setores envolvidos, e é dessa forma que o assunto tem que ser conduzido. Uma MP publicada agora, além de atropelar as iniciativas já em curso no Congresso Nacional, nivelará por baixo a discussão, pois seu rito de aprovação impede qualquer discussão mais profunda, já que a votação acontecerá em plena virada do ano e já na corrida eleitoral, o que coloca em risco qualquer texto que seja definido agora.

Diante do exposto, requeremos a V. Exa. que cumpra com o compromisso assumido perante as ONGs e movimentos sociais desde o princípio do ano e evite que o Código Florestal seja mais uma vez remendado por meio da edição de uma MP, sobretudo para derrubar pontos centrais como a reserva legal, o uso de APPs e o tratamento diferenciado para a agricultura familiar. Por outro lado, reforçamos nosso interesse em trabalhar pela aprovação de uma nova legislação florestal que reposicione o Brasil como uma potência mundial em produção de bens e serviços ambientais.

Assinam:

Amigos da Terra – Amazônia Brasileira

Associação de Preservação do Meio Ambiente do Alto Vale do Itajaí (Apremavi)

Conservação Internacional – Brasil

Greenpeace

Grupo Ambientalista da Bahia (Gambá)

Instituto Socioambiental (ISA)

Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam)

Instituto de Estudos Socioeconomicos (Inesc)

Programa da Terra/SP (Proter)

Rede de ONGs da Mata Atlântica (RMA)

SOS Mata Atlântica

The Nature Conservancy (TNC)

Vitae Civilis – Instituto para o Desenvolvimento, Meio Ambiente e Paz

WWF – Brasil

terça-feira, julho 07, 2009

Conquista dos Fundos de Pastos da Areia Grande contra a grilagem de terras na Bahia

A União das Associações de Fundo de Pasto de Casa Nova, a Comissão Pastoral da Terra e a Associação de Advogados de Trabalhadores Rurais mandaram esta feliz notícia para quem acompanha as agruras destas comunidades que vivem no sertão da Bahia. Elas vivem em sistema de posse tradicional chamado de Fundo de Pasto, onde as pessoas vivem do trabalho coletivo na terra, criação de caprinos e colheita de mel. Por não terem títulos de dominio, suas terras foram griladas e a comunidade sofreu com a violência armada contra seus filhos e suas casas.


Conquista dos Fundos de Pastos da Areia Grande contra a grilagem de terras na Bahia

A longa jornada dos fundos de pastos da Areia Grande – Casa Nova/BA – contra a grilagem de seu território conquistou, no dia 01 de julho de 2009, mais uma vitória com a anulação da sentença de Imissão de Posse que ratificava o processo da grilagem de terras públicas. Reconhecendo as inúmeras ilegalidades que envolviam o processo judicial, dentre elas a ausência de intimação do Ministério Público e os desastrosos impactos da decisão sobre as 366 famílias que tradicionalmente habitam a Areia Grande, o Tribunal de Justiça anulou a sentença, pondo fim nos desastrosos efeitos por ela produzidos.

A decisão anulada, proferida pelo Juiz de Casa Nova no inicio de 2008, conferiu aos empresários Carlos Nizan e Alberto Martins Pires Matos, a “propriedade” das terras dos fundos de pastos usurpadas, no final da década de setenta, pela empresa Camaragibe, envolvida no chamado “Escândalo da Mandioca”. A propriedade grilada pela Camaragibe foi ilegalmente transferida, numa sucessão de negócios obscuros, aos empresários, que ingressaram com a ação de Imissão de Posse, visando legitimar, através da decisão judicial, os falsos títulos adquiridos.

Além da ausência de intimação do Ministério Público para manifestar-se, outras graves irregularidades figuravam no processo, a exemplo da ausência de citação dos membros das comunidades de fundos de pastos, que somente tiveram ciência do processo quando a sentença já estava sendo desastrosamente cumprida. O estado de calamidade, gerado pela decisão que expulsava as 366 famílias de suas terras sem que tivessem o direito de defesa, foi agravado pela ação ilegal e inescrupulosa de milícias particulares armadas que além dos danos materiais causados, ameaçaram e agrediram as famílias de fundos de pastos.

As comunidades de Riacho Grande, Salina da Brinca, Jurema e Melancia resistem à grilagem de seu território desde a década de 80 e vem conseguindo, através da força e mobilização popular, vitórias emblemáticas no contexto da luta contra a grilagem de terras públicas na Bahia. A realização da ação discriminatória administrativa e, posteriormente, judicial, em novembro de 2008, foi fruto deste processo de mobilização e representou o reconhecimento do Estado da Bahia tanto da natureza pública das terras, como da legitimidade de sua ocupação tradicional. A recente vitória é também bastante emblemática, pois representa o reconhecimento das ilegalidades presentes no processo que envolveram o processo pelo próprio Poder Judiciário, que, até o momento, havia sempre atuado no sentido de facilitar o processo de grilagem do território da Areia Grande.

Em fevereiro de 2009, as comunidades da Areia Grande foram abatidas com a triste notícia do assassinato brutal e ainda impune do companheiro de luta Zé de Antero. Ao contrário do que esperavam os algozes, os fundos de pastos não arrefeceram a resistência. A recente vitória dedica-se ao Zé, que teve sua casa destruída ao resistir ao cumprimento da sentença ilegal, mas não aceitou ser expulso de sua terra.


terça-feira, abril 21, 2009

Superior Tribunal de Justiça e os direito dos povos indígenas


Veja abaixo matéria elaborado pela acessoria do STJ sobre matérias envolvendo indigenas. 19/04/2009 - ESPECIAL - Dia do índio: STJ decide sobre interesses indígenas individuais e coletivos

Eles são Suruís, Guajajaras, Kaingangues, Pataxós. E, como brasileiros, também buscam seus direitos no Tribunal da Cidadania. O Superior Tribunal deJustiça (STJ), em seus 20 anos de história, vem decidindo questões relativas aos índios que transcendem os interesses dos indivíduos e acabam por afetar e definir o destino das comunidades indígenas brasileiras. Por meio da justiça do “homem branco”, foi possível encontrar um caminho de convivência entre a civilização moderna e essas culturas ancestrais do nosso país.

Dezenas de etnias já circularam pelas páginas de processos analisados no STJ. De acordo com a Fundação Nacional do Índio (Funai), atualmente, as 215 diferentes sociedades indígenas em território brasileiro somam cerca de 358 mil pessoas.

Uma das principais questões enfrentadas pelo STJ diz respeito à competência para processamento de ações que tenham uma pessoa indígena como autor ou vítima. A Súmula 140 do Tribunal afirma que compete à Justiça comum estadual atuar nesses casos. No entanto, quando a controvérsia envolve interesse indígena, há decisões no sentido de fixar a competência junto à Justiça federal. Esse entendimento segue disposto na Constituição Federal (artigos 109, IX e 231).

Em novembro de 2008, a Quinta Turma negou habeas-corpus a um indígena do estado do Acre, condenado por homicídio (HC 87422). O Ministério Público Federal (MPF) pedia que fosse considerado nulo o julgamento por incompetência da Justiça estadual. Em seu voto, o relator, ministro Napoleão Nunes Maia Filho, destacou que a jurisprudência reconhece que todos os
feitos que versem sobre a cultura indígena, bem como acerca de disputas de interesses da comunidade, competem à Justiça federal. No entanto o ministro observou que o caso tratava-se de um crime comum, sem envolvimento de interesses indígenas.

Comunidade vítima

Já noutro habeas-corpus, a mesma Quinta Turma reconheceu que a competência federal prevista na Constituição não deve se restringir às hipóteses de disputas de terras, por exemplo (HC 77280). Quando o dano atingir diretamente a organização social da comunidade indígena, bem como seus costumes e cultura, a Justiça federal é a responsável pelo processamento da ação.

O entendimento baseou-se em voto do ministro Arnaldo Esteves Lima. Dois homens acusados de praticar golpes contra idosos indígenas tentavam a revogação da prisão e a anulação da ação penal. Eles haviam sido denunciados na Justiça federal por infringirem diversos artigos do Estatuto do Idoso (Lei 10.741/2003) , como praticar extorsão, apropriar-se de rendimentos de
idosos, reter seus cartões de benefício e coagi-los a outorgar procurações. O julgamento aconteceu em dezembro do ano passado.

Interesse da tribo
Seguindo entendimento semelhante, o STJ concedeu habeas-corpus a um grupo de indígenas preso sob a acusação de ter assassinado policiais à paisana (HC 65898). O episódio ocorreu em Dourados (MS), em situação de conflitos de terras entre a comunidade e fazendeiros locais. O decreto de prisão havia sido dado pela Justiça estadual. No entanto, conforme destacou a relatora
ministra Laurita Vaz, como a suposta motivação do crime foi a defesa dos interesses da comunidade indígena, a competência para o processamento da ação é da Justiça federal.

Demarcação

A própria sobrevivência dos povos indígenas e de suas culturas passa pela existência de um território protegido da civilização, em que possam garantir a continuidade do modo de vida das tribos. A demarcação desses territórios pode exigir a desapropriação de particulares, disputa que frequentemente vai parar em gabinetes do Judiciário.

O STJ já decidiu que o mandando de segurança é um tipo de ação que não sepresta a debater matéria controvertida, como a demarcação de terras indígenas. Quando a escolha é este caminho processual, o direito líquido e certo deve estar demonstrado de plano (MS 8873), o que não ocorre nesses casos.

O Tribunal também reconheceu a obrigatoriedade de ouvir o Ministério Público em processos de demarcação de terras indígenas em que se discute concessão de liminar (Resp 840150). O Estatuto do Índio determina que "nenhuma medida judicial será concedida liminarmente em causas que envolvam interesses de silvícolas ou do patrimônio indígena, sem prévia audiência da União e do órgão de proteção ao índio”.

Noutro caso analisado pelo STJ, a Primeira Turma decidiu que a Funai deve ser admitida como assistente do MPF em uma ação de demarcação de terras indígenas na Paraíba (Pet 5572). Na ação principal, o MPF busca a sustação dos efeitos de despacho proferido pelo ministro da Justiça, que impediu a elaboração de estudos visando à demarcação das terras. A Funai é subordinada ao Ministério da Justiça. A relatora, ministra Denise Arruda, levou em conta o interesse jurídico de que a demanda seja julgada em favor dos interesses
dos povos indígenas, o que confunde com o propósito de existir da Funai.

Dano moral

A possibilidade de pagamento de dano moral a uma comunidade indígena tambémfoi alvo de controvérsia no STJ. Em abril de 2008, o Estado do Rio Grande doSul tentou, sem sucesso, a admissão de um recurso em que contestava opagamento de indenização (Ag 1022693). O poder público teria promovido umassentamento irregular em terras indígenas, e a Justiça gaúcha entendeu quehouve prejuízo moral em razão do período de conflito entre colonos e comunidade indígena. O relator do agravo de instrumento foi o ministro TeoriAlbino Zavascki. A Primeira Turma considerou que reavaliar o caso implicaria reexame de provas e fatos, o que não é possível num recurso especial.

Legitimidade

O cacique é o líder da comunidade indígena, mas isso não lhe garante legitimidade para reivindicar judicialmente direito coletivo da tribo. Por isso, a Segunda Turma negou mandado de segurança em que o cacique da etniaTembé [de Minas Gerais] pretendia suspender efeitos de uma portaria do Ministério da Saúde (MS 13248). O cacique alegava que o ato prejudicaria a
autonomia dos povos indígenas na administração das receitas destinadas à saúde e acarretaria diminuição de qualidade e recursos da área.

O relator do pedido, ministro Castro Meira, observou que a intenção do mandado de segurança era defender direito coletivo, o que é restrito, de acordo com a Constituição Federal, a partido político com representação no Congresso Nacional e a organização sindical, entidade de classe ou
associação legalmente constituída há pelo menos um ano. No caso, o meioadequado seria a ação popular.

Prazo dobrado
Em abril do ano passado, a Primeira Turma reconheceu o direito de uma comunidade indígena ter prazo em dobro para recorrer (REsp 990085). A tribo Gavião da Montanha, do Pará, protestava contra decisão que negou seguimento de um recurso especial dela. O grupo queria pagamento de indenização por ter sido removido de determinada área. O Estatuto do Índio estende aosinteresses do patrimônio indígena os privilégios da Fazenda Pública, dentre
eles, o prazo dobrado para recorrer, tal qual o artigo 188 do Código de Processo Civil.

segunda-feira, março 02, 2009

A nova constituição da Bolívia


O povo boliviano assume que seu Estado é composto de uma diversidade cultural e étnica. Com isso deu um exemplo de força para os demais países latino americanos. Vale a pena ler o preâmbulo e os dois primeiros artigos, onde são estabelecidos os novos marcos jurídicos do Estado.

LA NUEVA CONSTITUCION POLITICA DEL ESTADO BOLIVIANO

PREÁMBULO

En tiempos inmemoriales se erigieron montañas, se desplazaron ríos, se formaron

lagos. Nuestra amazonia, nuestro chaco, nuestro altiplano y nuestros llanos y valles se

cubrieron de verdores y flores. Poblamos esta sagrada Madre Tierra con rostros

diferentes, y comprendimos desde entonces la pluralidad vigente de todas las cosas y

nuestra diversidad como seres y culturas. Así conformamos nuestros pueblos, y jamás

comprendimos el racismo hasta que lo sufrimos desde los funestos tiempos de la

colonia.

El pueblo boliviano, de composición plural, desde la profundidad de la historia,

inspirado en las luchas del pasado, en la sublevación indígena anticolonial, en la

independencia, en las luchas populares de liberación, en las marchas indígenas, sociales

y sindicales, en las guerras del agua y de octubre, en las luchas por la tierra y territorio,

y con la memoria de nuestros mártires, construimos un nuevo Estado.

Un Estado basado en el respeto e igualdad entre todos, con principios de

soberanía, dignidad, complementariedad, solidaridad, armonía y equidad en la

distribución y redistribución del producto social, donde predomine la búsqueda del vivir

bien; con respeto a la pluralidad económica, social, jurídica, política y cultural de los

habitantes de esta tierra; en convivencia colectiva con acceso al agua, trabajo,

educación, salud y vivienda para todos.

Dejamos en el pasado el Estado colonial, republicano y neoliberal. Asumimos el

reto histórico de construir colectivamente el Estado Unitario Social de Derecho

Plurinacional Comunitario, que integra y articula los propósitos de avanzar hacia una

Bolivia democrática, productiva, portadora e inspiradora de la paz, comprometida con el

desarrollo integral y con la libre determinación de los pueblos.

Nosotros, mujeres y hombres, a través de la Asamblea Constituyente y con el

poder originario del pueblo, manifestamos nuestro compromiso con la unidad e

integridad del país.

Cumpliendo el mandato de nuestros pueblos, con la fortaleza de nuestra

Pachamama y gracias a Dios, refundamos Bolivia.

Honor y gloria a los mártires de la gesta constituyente y liberadora, que han hecho

posible esta nueva historia.

Artículo 1. Bolivia se constituye en un Estado Unitario Social de Derecho

Plurinacional Comunitario, libre, independiente, soberano, democrático, intercultural,

descentralizado y con autonomías. Bolivia se funda en la pluralidad y el pluralismo

político, económico, jurídico, cultural y lingüístico, dentro del proceso integrador del

país.

Artículo 2. Dada la existencia precolonial de las naciones y pueblos indígena

originario campesinos y su dominio ancestral sobre sus territorios, se garantiza su libre

determinación en el marco de la unidad del Estado, que consiste en su derecho a la

autonomía, al autogobierno, a su cultura, al reconocimiento de sus instituciones y a la

consolidación de sus entidades territoriales, conforme a esta Constitución y la ley.