domingo, agosto 19, 2007

Incômodo pirata ( Brasil:uma cena)


Esta semana, vendo um telejornal, vi a formidável prisão – registrada ao vivo – de uma quadrilha de jovens hackers no Paraná. O noticiário dizia que “foram presos jovens que faziam pirataria”.

Estas palavras instalaram-se em minha cabeça como incômodas. Havia algo errado naquela frase, ainda imperceptível para mim. Passaram alguns dias e, lendo um pequeno livrinho de entrevistas com Milton Santos (Território e Sociedade, da editora Perseu Ramos) percebi onde estava o erro. “Pirataria” era a palavra errada. A denominação tradicional da mídia a quadrilhas que inserem e adquirem informação de computadores alheios sem permissão é “hackers” e não “piratas”. Por que então essa mudança?

Vivemos sob bombardeio incessante da indústria cultural nos mostrando o quanto somos foras-da-lei, ladrões, incentivadores de crianças para o mundo do crime pelo fato da maioria da população comprar CD’s de vídeo e de som nas ruas, com ambulantes. Isso é chamado de pirataria.

O nome tem origem nos piratas que interceptavam cargas nos mares do planeta. Estas pessoas estavam ou a serviço dos reis e rainhas aos quais deviam obediência , ou por iniciativa própria. Eram prática políticas e sociais da época, que aumentavam o risco do negócio dos mercadores, que tendo perdido parte ou toda a carga, não tinham a quem recorrer (ainda não haviam inventado as seguradoras).

As questões formuladas devem ser as seguintes:

1-A população brasileira é pobre e os preços praticados pela indústria cultural são extorsivos. E todos devem ter acesso à cultura.

2-Inúmeros cantores e compositores populares produzem, eles mesmos, seus CDs e inundam as esquinas das ruas como um pré-lançamento popular, o que significa que, juridicamente, nem todo CD taxado como pirata o é, porque contém a anuência dos compositores.

3-Incontestavelmente, a tecnologia venceu o modo de produção cultural baseada no monopólio e na acumulação privada de bens culturais, democratizando o acesso de forma irreversível. Se as indústrias culturais quiserem continuar ocupando o mercado, deve pensar alternativas de convivência com a nova realidade mundial que sejam mais inteligentes do que a imposição da lei, no melhor estilo totalitário.

4- O que estamos presenciando é um autêntico movimento popular de resistência, uma prática social, o nascimento de um costume, assim como foi o cheque pré-datado (que no início também foi criminalizado como estelionato, lembram?). A prática social não necessita de normas fixadas por nenhum órgão, elas simplesmente passam a existir, e não podem ser consideradas fora da lei porque a maioria da população a aceita, a quer e, se estiver em um regime democrático, posteriormente altera a lei .

5- No regime democrático, o povo institui seu modo de viver, e opta por suas leis, e não o contrário. Se a lei, que era socialmente válida, o deixa de ser, o que deve mudar é a lei e não a sociedade.

Diante disso, o apoio estatal e midiático a campanhas pensadas pelos mercadores (ou seja, os empresários atuais) como “todo brasileiro é ladrão porque compra CD na esquina”, além de não ter respaldo legal, é uma afronta ao povo. Lembra aquelas frases antigas “o cheiro do cavalo é melhor que o cheiro do povo”, “este país só tem carroças” e outras lamentáveis que fomos obrigados a suportar.

É necessário que tenhamos muita atenção, pois nem tudo que é legal é legítimo. Cada vez mais, a lei é utilizada para interesses particulares, perdendo a perspectiva democrática que é sua essência. Cabe a nós, cidadãos preocupados, percebermos isso.