quinta-feira, dezembro 22, 2011

O bom magistrado ao livro torna: Imparcialidade e Suspeição do Juiz.



É realmente significativo quando um advogado se vê obrigado a recorrer ao Código de Processo Civil para tirar dúvidas sobre como se processam as demandas no Brasil. Não tem nada de mais, ao contrário, é prova de eficiência e cuidado profissional e consideração com o povo do país, que espera que todos sejam informados e julgados pela mesma regra do jogo .

Foi o que fiz, fui ao meu livrinho e vi: ( as considerações em negrito são de minha autoria)

Art. 134. É defeso (ou seja , é proibido) ao juiz exercer as suas funções no processo contencioso ou voluntário:
I – de que for parte;( ou seja, figure no processo em questão de alguma forma não importa qual seja)
II – em que interveio como mandatário da parte, oficiou como perito, funcionou como órgão do Ministério Público, ou prestou depoimento como testemunha;
III – que conheceu em primeiro grau de jurisdição, tendo-lhe proferido sentença ou decisão;
IV – quando nele estiver postulando, como advogado da parte, o seu cônjuge ou qualquer parente seu, consangüíneo ou afim, em linha reta; ou na linha colateral até o segundo grau;
V – quando cônjuge, parente, consangüíneo ou afim, de alguma das partes, em linha reta ou, na colateral, até o terceiro grau;
VI – quando for órgão de direção ou de administração de pessoa jurídica, parte na causa.
Parágrafo único. No caso do no IV, o impedimento só se verifica quando o advogado já estava exercendo o patrocínio da causa; é, porém, vedado ao advogado pleitear no processo, a fim de criar o impedimento do juiz.

Art. 135. Reputa-se fundada a suspeição de parcialidade do juiz, quando:
I – amigo íntimo ou inimigo capital de qualquer das partes;
II – alguma das partes for credora ou devedora do juiz, de seu cônjuge ou de parentes destes, em linha reta ou na colateral até o terceiro grau;
III – herdeiro presuntivo, donatário ou empregador de alguma das partes;
IV – receber dádivas antes ou depois de iniciado o processo; aconselhar alguma das partes acerca do objeto da causa, ou subministrar meios para atender às despesas do litígio;
V – interessado no julgamento da causa em favor de uma das partes.
Parágrafo único. Poderá ainda o juiz declarar-se suspeito por motivo íntimo.

Art. 136. Quando dois ou mais juízes forem parentes, consangüíneos ou afins, em linha reta e no segundo grau na linha colateral, o primeiro, que conhecer da causa no tribunal, impede que o outro participe do julgamento; caso em que o segundo se escusará, remetendo o processo ao seu substituto legal.


Art. 137. Aplicam-se os motivos de impedimento e suspeição aos juízes de todos os tribunais. O juiz que violar o dever de abstenção, ou não se declarar suspeito, poderá ser recusado por qualquer das partes (art. 304).


Art. 138. Aplicam-se também os motivos de impedimento e de suspeição:
I – ao órgão do Ministério Público, quando não for parte, e, sendo parte, nos casos previstos nos ns. I a IV do art. 135;
II – ao serventuário de justiça;
III – ao perito; (Redação dada pela Lei nº 8.455, de 24.8.1992)
IV – ao intérprete.


§ 1º A parte interessada deverá argüir o impedimento ou a suspeição, em petição fundamentada e devidamente instruída, na primeira oportunidade em que Ihe couber falar nos autos; o juiz mandará processar o incidente em separado e sem suspensão da causa, ouvindo o argüido no prazo de 5 (cinco) dias, facultando a prova quando necessária e julgando o pedido.


§ 2º Nos tribunais caberá ao relator processar e julgar o incidente.

Não pode ser mais claro. Se existir a mais remota hipótese de relação entre o juiz julgador e o caso a ser julgado, mesmo parente distante, conhecido, amigo, inimigo, qualquer uma chance de haver um rastro de parcialidade , o juiz deve se declarar impedido de julgar, e, se insistir nisso a parte prejudicada poderá dizer nos autos que aquele julgador é suspeito. E a Lei dá uma colher de chá: diz que o juiz não precisa nem mesmo justificar expressamente a razão, bastando dizer que o motivo é de foro íntimo. Quer dizer, não tem desculpa mesmo.

O Ministro Peluso ( que também é parte do processo, portanto impedido de se manifestar) argumentou que o STF não se submete ao julgamento pelo CNJ, mas ninguém está discutindo isso! o que se quer mostrar é que todo magistrado, aliás, todo o povo brasileiro está submetido as regras do Código de Processo Civil, que disciplina como e quem tem o poder de julgar!

As discussões ficam em torno do mérito - se cabia ou não aos Ministros receberem ou não o dinheiro em questão - mas isso é cortina de fumaça, o que se deve discutir é se ele poderia se manifestar em um processo que de alguma maneira, e isso, como diz o futebol, a regra é clara: está impedido!!!!!

Bem, eu recorri ao meu livrinho. Não seria a hora dos Ministros responsáveis pelo exemplo de justiça no país fazerem o mesmo?

quarta-feira, outubro 26, 2011

As Comunidades Tradicionais e o agronegocinho brasileiro



Não é que eu seja contra o Programa de Agricultura Familiar Brasileiro, o problema é que ele não resolve os problemas dos legítimos donos da maioria das terras no Brasil, que são os indígenas, os ribeirinhos, os povos da floresta, a população moradora dos fundos de pasto e fechos de pasto e outras Comunidades Tradicionais.

Acontece que o crédito fornecido está vinculado a algum tipo de instituição financeira , que por sua vez negocia com a lógica do capital, ou seja, empréstimo de dinheiro a juros(ainda que baixos) e garantia do negócio. Para isso, é necessário algum tipo de prova de posse ou propriedade da terra a ser utilizada, o que significa dizer que o uso coletivo da terra, que é o acontece tradicionalmente nessas comunidades ( ausência de titulação formal) não "encaixam" com o sistema bancário, forçando a essas comunidades a se integrarem em Cooperativas e Associações, e, pior que isso, a dividir a terra de uso coletivo em pequenas propriedades com titulação individual, o que descaracteriza totalmente as Comunidades Tradicionais.

Apesar de ser uma excelente noticia, o aumento dos investimentos na agricultura familiar não resolve os reais problemas da terra , é necessário pensar uma solução para as outras maneiras de viver a terra existentes no país, algo além do "agronegocinho".

Investimento na agricultura familiar do País aumenta cinco vezes nas últimas oito safras



Quantidade de contratos é 78% maior entre 2002/03 e 2009/10
O crédito para famílias agricultoras quintuplicou nas oito últimas safras, passando de R$ 2,3 bilhões em 2002/03 para R$ 11,9 bilhões em 2009/10, no âmbito do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) – . A evolução dos valores foi maior do que o número de contratos, que passou de 904 mil para 1,6 milhão no período (78% mais). Esses dados fazem parte do relatório Estatísticas do Meio Rural 2011 , publicado nesta terça-feira (25), pelo Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural do Ministério do Desenvolvimento Agrário (Nead/MDA) e o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese).
O maior financiamento do agricultor familiar se deu num contexto de aumento do consumo nacional e de uma ampliação dos preços internacionais, que levaram a programas como o Mais Alimentos - que permitiu uma ampliação da capacidade produtiva devido à compra de equipamentos e infraestrutura para a propriedade rural familiar, financiadas em até dez anos, com até três anos de carência e juro de 2% ao ano. O relatório registra essa evolução da demanda no mercado e da produção: a de arroz, por exemplo, aumentou 24,2%, passando de 10,1 milhões de toneladas em 2001 para 12,6 milhões em 2009; e a do feijão cresceu 42,1% no período, passando de 2,4 milhões de toneladas para 3,4 milhões.
Renda - O aumento da renda familiar no campo, entre 2003 e 2009, foi maior para as famílias agricultoras (31,7%, de R$ 1.138 para R$ 1.499) e para os assalariados rurais (38%, de R$ 793 para R$ 1.094) do que para as famílias proprietárias na agricultura patronal (7,6%, de R$ 9.737 para R$ 10.477). A renda das famílias de empregadores e trabalhadores por conta-própria não agrícolas, mas com residência rural, também cresceu: 24,1%, de R$ 1.230 para R$ 1.526.
Esse aumento explica a razão da taxa de pobreza do campo ter reduzido 14,4%, no período - acima da média brasileira (12,4%), de acordo com o estudo.
Jovens - A quarta edição de Estatísticas do Meio Rural traz uma novidade em relação às anteriores, ao buscar dados para a análise das políticas públicas para a juventude no campo - especialmente com relação à educação e saúde. O estudo demonstra a concentração da população acima de dez anos de idade sem instrução (20% do total) no campo e, na outra ponta, a baixa concentração das pessoas com mais de 15 anos de estudo (1,4%). A maior parte dos moradores do meio rural tem de 3 a 4 anos de escolaridade (25,4%) e de 11 a 12 anos (25,1%). O que significa que há três grandes grupos: os que não estudaram, os que fizeram o primeiro ciclo do ensino fundamental e os que fizeram o ensino médio. Com relação à saúde, os números mostram que o morador rural tem pouca cobertura de planos de saúde complementar (6,4%).
Dados - A fonte primária da maior parte dos dados do estudo é o Censo Agropecuário 2006 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que foi cruzado com outras fontes, como o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) ou as compras da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), entre outros.
fonte:
http://www.secom.gov.br em 25/10/2011 19:35hs

segunda-feira, setembro 05, 2011

Fé Pública autentica morte nos campos brasileiros

É muito conveniente prestarmos atenção sobre a escalada da bandidagem nos cartórios. Esse artigo mostra a manipulação da fé pública - autenticada pelos cartórios - nas mortes no campo.


Os cartórios, as monoculturas e os conflitos socioambientais no Baixo Parnaíba, artigo de Mayron Régis


[EcoDebate] Um número exato em torno das denúncias formuladas pelas comunidades tradicionais, pelas organizações da sociedade civil e pelo ministério público sobre os desrespeitos aos direitos humanos no Baixo Parnaiba maranhense chega a ser uma impossibilidade porque a cada dia surge um novo conflito socioambiental.

No dia 30 de agosto de 2011, na sede da Fetaema, antes de uma reunião sobre o processo de desapropriação da gleba Santa Cecilia, no município de Morros, que fora devolvido pela Casa Civil, representantes da comunidade de Mamede II e o presidente do STTR de Barreirinhas expuseram para assessores da Fetaema, da Tijupá e do Fórum Carajás uma venda de mais de mil hectares no município de Barreirinhas por parte de Cleudenor Viana e Maria Ozelita Costa Silva para um tal de Gilmar.

Os agricultores de Barreirinhas e o senhor Chico farias, presidente do STTR, levaram documentos que comprovariam a propriedade da terra pelos que a venderam, contudo a Xerox da escritura lavrada no cartório de Barreirinhas no ano de 1979 não apresenta nenhum sinal de envelhecimento, fato natural para um documento “tão antigo” e fechado num cartório. Agora dá para pensar o que pretensamente moveu os pretensos proprietários a adquirirem uma área de Chapada no final dos anos setenta no município de Barreirinhas.

Voltando um pouco no tempo, o final dos anos setenta e começo dos anos oitenta se aturdem com uma crise econômica que vociferou até o começo dos anos 90. Então, alguém comprar uma propriedade a não sei quantas léguas da sede do município em 1979 sem que ninguém da comunidade soubesse cheira muito mal. A possibilidade de grilagem de terras devolutas resplandece, no entanto o STTR deve entrar com um pedido de desapropriação junto ao Incra e para a comunidade fica o dever de casa de impedir qualquer atividade do Gilmar.

Segundo Fabio Pierre, engenheiro-agronomo e técnico da Associação Agroecológica Tijupá, os cartórios praticam atos ilícitos das formas mais surreais possíveis como no caso de um livro em que entre uma escritura e outra, páginas em branco comparecem sem nenhuma explicação plausível por parte do cartório.

Muitas das áreas que o Incra desapropriou e desapropria provem de intenso processo de grilagem de décadas atrás e que os órgãos competentes até hoje pouco ou nada fizeram para frear. O presidente da Associação do povoado de Pau Serrado, Zé da Paes, relembra que a propriedade de um pessoal da Boa União se alongava dessa comunidade para várias outras em Urbano Santos, Santa Quitéria, Barreirinhas e Anapurus. Deveria ser uma capitania hereditária, pelo visto. A entrada de empresas como a Suzano e suas terceirizadas serve para legalizar a bandalheira que verdejava e que verdeja pelas Chapadas e Baixões no Baixo Parnaiba maranhense.

Uma dessas bandalheiras aconteceu em Bonfim, comunidade quilombola de Anapurus. O antigo proprietário negava aos moradores qualquer forma de associação e quem se aventurava na luta ele botava pra fora da comunidade. O nome dele era Rui. Com sua morte o que a comunidade de Bonfim herdou foram os eucaliptos plantados depois que a Suzano comprou sete mil hectares de terra. Os conflitos que a Suzano evitou em Bonfim adensaram-se em Bracinho. Nesta comunidade, o Rui coagia os moradores a pagarem renda o que em seguida deixaram de fazer. A Suzano visa a área de mais de quase quatro mil hectares desde 2010 fazendo de conta que é dela e a comunidade resiste aos tratores, aos seguranças e quem mais aparecer.

Essas e outras denúncias foram feitas ao FAS ( Fórum da Amazônia Sustentável) para que a Suzano aceite que nessas áreas as comunidades não aceitam mais desmatamentos e nem a presença da empresa de nenhuma outra forma como programas de responsabilidade social. No fundo, no fundo, a verdadeira cara da Suzano no Maranhão escarnece da população quando afirma que na região de Bracinho, Bom Principio, São Raim undo e Boa União o que produz mais é o eucalipto. Isso já vinha fazendo no Iterma com relação ao Pólo Coceira.

Mayron Régis, articulista do EcoDebate, é Jornalista e Assessor do Fórum Carajás e atua no Programa Territórios Livres do Baixo Parnaíba (Fórum Carajás, SMDH, CCN e FDBPM).

segunda-feira, julho 18, 2011

Litoral paulista e o eterno retorno


Todos os anos aparecem publicações sobre a ocupação do litoral paulista. Conheço esse litoral desde a década de oitenta e nunca vi nenhuma organização para discutir seriamente esse tema. Explica-se: no litoral de São Paulo, principalmente nas imediações da Ilha Bela, estão as mansões e os iates dos ricaços, que precisam de mão de obra para manter tudo aquilo arrumado e limpo. É claro que onde tem emprego, as pessoas vão, mas no fim acabam sendo elas as "culpadas" pelas invasões do litoral ( vocês sabem: rico ocupa, pobre invade).
Vejam o interesse e o discurso ao longo do tempo:

terça-feira, março 01, 2011

Brasil ganha padrão para certificar áreas de populações tradicionais




Gostaria de saber de alguém se a Forest Stewardship Council tem legitimidade constitucional para implementar normas desse porte.



Conselho de Manejo Florestal, aprova padrões nacionais para certificação de florestas
O (FSC), em português Conselho de Manejo Florestal, aprova padrões nacionais para certificação de florestas manejadas por pequenos produtores no Brasil, México e em Camarões. Até agora, os certificadores avaliavam comunidades, associações ou populações tradicionais por meio de padrões genéricos baseados em princípios e critérios do FSC. Com a aprovação dos padrões, eles podem trabalhar com indicadores técnicos específicos para esses produtores.

No Brasil, a construção do padrão durou dois anos e foi articulada pelo Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora). O processo envolveu grande número de pessoas e instituições que trabalham com esses segmentos. Atualmente, são oito as comunidades certificadas no Brasil, reunindo cerca de 200 famílias, em uma área de 1,5 milhão de hectares, que inclui a reserva indígena dos Kaiapós, no Pará. Para o Imaflora, a redução das barreiras técnicas deve estimular o crescimento do número de comunidades certificadas.

quinta-feira, fevereiro 24, 2011

Brasil registra primeiro caso de indiciamento por tortura motivada por racismo



Em uma decisão histórica, o Brasil age contra abusos das grandes empresas frente a cidadãos. Esperamos que esse crime não fique impune, e que o judiciário enfrente a questão definitivamente. Lembramos aqui aos nossos magistrados os artigos iniciais da Constituição brasileira, que mostram que temos como fundamento e objetivo da República a dignidade da pessoa e a promoção do bem estar de todos sem quaisquer formas de discriminação.




Em uma decisão inédita, no início deste mês, a Polícia de São Paulo indiciou seis seguranças da rede de supermercados Carrefour pelo crime de tortura motivada por preconceito racial. Eles agrediram o vigilante Januário Alves de Santana, em agosto de 2009, apontado como suspeito de roubar o próprio carro no estacionamento de uma das lojas em Osasco, na Grande São Paulo.

Também em Osasco, a dona de casa Clécia Maria da Silva, de 56 anos, foi parar no hospital depois de ter sido acusada de furto por seguranças da rede Walmart. Ela havia pagado pelas mercadorias, assim como um garoto de 10 anos, que foi ameaçado com um estilete por um segurança do supermercado Extra – que pertence ao grupo Pão de Açúcar. As ameaças ocorreram em uma salinha nos fundos da loja. Em ambos os casos, as vítimas eram negras.

Carrefour, Walmart e Pão de Açúcar são as três maiores redes de supermercados que atuam no Brasil. Juntas, elas lucraram R$ 71,5 bilhões em 2009. Em entrevista à Radioagência NP, o advogado Dojival Vieira, que acompanha os casos citados, revela os métodos utilizados pelos agentes de segurança dessas empresas para proteger seu patrimônio. Entre outras revelações, ele relata as agressões e humilhações que ocorrem nas chamadas “salinhas de tortura”, para onde são levados os acusados de furto.

Radioagência NP - Os agressores do vigilante Januário foram indiciados por tortura. Qual a importância dessa decisão?

Dojival Vieira - É a primeira vez na história do Brasil que há um enquadramento, um indiciamento, no crime de tortura motivada por discriminação racial. Ou seja, a aplicação da Lei 9455/97 de forma exemplar. É uma decisão histórica, importante, ainda que, obviamente, seja apenas o começo, já que a partir do indiciamento, da conclusão do inquérito, ele será remetido ao Ministério Público. Caberá ao MP oferecer a denúncia e à Justiça aceitá-la, instaurar o processo, passar os indiciados a réus e condená-los de acordo com a lei.

Que argumentos você utilizou para pedir ao delegado que o crime fosse enquadrado como tortura?


Um homem que é suspeito do roubo do próprio carro, que é perseguido, que tenta se evadir para escapar com vida. É dominado, levado a um canto e torturado durante quase 30 minutos com socos, pontapés, tentativa de esganadura, que inclusive lhe provocaram fratura no maxilar, que provocaram a destruição da sua prótese dentária. Não se pode, obviamente, imaginar que isso seja lesão corporal leve.

O que acontece nas chamadas salinhas para onde são levados os suspeitos?


São espécies de salinhas de castigo, ou salinhas de tortura, em que seguranças despreparados, sem qualquer capacitação e importando essa cultura truculenta e autoritária, do “prende e arrebenta” do período militar, se autorizam, se sentem à vontade para assumir o papel que eles efetivamente não têm. Que é o papel de fazedores de justiça com suas próprias mãos.

Eles acabam exercendo um papel de polícia?


Não é só eles que não podem fazer isso. A polícia também não tem autoridade, em um estado democrático de direito, para bater, agredir nem praticar violência contra ninguém.

O que se pode fazer para acabar com esses abusos?

O Ministério da Justiça precisa fazer um acompanhamento mais amiúde, mais frequente, das atividades dessas empresas. Inclusive, o que se sabe, é que essas empresas de segurança têm mais homens trabalhando armados do que o contingente das Forças Armadas. Então, é uma situação de segurança pública, inclusive. O mercado em que operam as empresas de segurança, que é extremamente lucrativo, não pode operar de acordo com suas próprias leis.

Por que tanta truculência?


Essas empresas transportaram para as relações de consumo práticas que não são próprias da democracia, não são compatíveis com o estado democrático de direito. E as empresas que as contratam – os supermercados e shoppings – não tiveram até agora a preocupação de investir no treinamento e na capacitação desses funcionários.

Que critérios definem um suspeito?


No Brasil, por conta da herança de quase 400 anos de escravidão e de mais 122 anos de racismo pós-abolição, o negro é o suspeito padrão. Frequentemente, quase cotidianamente, as pessoas que são alvo dessas violências, dessas humilhações, desses constrangimentos, desses vexames, são pessoas negras de todas as idades.

Isso ocorre inclusive com crianças.


Eu, particularmente, tenho acompanhado alguns desses casos, e o último deles envolve uma criança de dez anos, que ao se dirigir ao supermercado Extra, da Marginal Tietê, na cidade de São Paulo, após passar no caixa e pagar normalmente as mercadorias que pegou ­– biscoitos, salgados, refrigerantes – foi abordado por seguranças, levado a um quartinho e obrigado a se despir sob a ameaça de chicotes, de agressão.


Jorge Américo
Radioagência NP
em 24/02/2011