quinta-feira, setembro 27, 2018

A métrica do STF : menos 3,4 milhões.

No dia 25 de setembro houve um importante  julgamento no STF sobre a possibilidade de se cancelar o direito ao voto daqueles que não compareceram dentro do prazo estipulado pelo TSE (Superior Tribunal Eleitoral) para realizarem o cadastramento biométrico. Esta modalidade de cadastramento se faz com a impressão digital de todos os dedos, uma foto e a atualização dos dados pessoais e de residência, caso seja necessário.

O que movimentou esse pedido ao Supremo foi a constatação de que quase 4 milhões de eleitores ficaram sem o direito ao voto por se encontrarem nessa situação. Levando-se em conta que, a eleição para presidente em 2010 foi resolvida  pela margem de 3,5 milhões de votos, realmente essa preocupação tem razão de ser.

Agregado a isso, foi constatado que a maioria deste eleitorado excluído está na região nordeste, ficando claro que essa disparidade pode ter se dado por ausência de comunicação ou entendimento por parte do eleitor.A peça inicial do processo que tramitou está aqui e prima pela simplicidade e força dos argumentos: o mais importante princípio em um  Estado Democrático de Direito é o sufrágio universal , ou seja, a razão da existência da própria democracia está  possibilidade inafastável de existirem eleições livre e diretas.

E onde estão todas as normas que determinam o andar de nossa democracia? Na Constituição Brasileira de 1988. O que quero dizer é que os princípios fundantes do processo eleitoral estão subordinados à Constituição , ou seja, aos princípios constitucionais  que não estão sujeitos  à reformas ou emendas ditadas pelo poder judiciário.  São princípios estruturantes, que se referem à concepção de um Estado Democrático de Direito pensado na Assembleia Constituinte e que  torna legítimo o mais importante poder político: o consentimento do povo,  nas eleições.

Desta maneira, por mais respeitável que seja a opinião proferida pelos ministros  do STF , ela sempre deve estar voltada a manutenção do direito de votar devida ao cidadão e à democracia. Com todo o respeito, não cabe ao Ministro se preocupar se vai dar tempo de chamar todo mundo para votar, como será a chamada, se vai dar confusão. O STF está lá para garantir os direitos  que a Constituição diz!!!

Claro que há a  preocupação com a autenticidade do voto, mas não se pode partir do princípio que todo eleitor quer fraudar a eleição, isso faz com que preocupação gire apenas um torno desta possibilidade  e que se esqueça do mais importante :o direito ao voto.

E para pôr uma pá de cal contra essa insistência a favor do processo em detrimento do direito material , o advogado relata na inicial, que o STF já havia decidido , em 2010,  a favor do cidadão votar apenas com o título de eleitor, não necessitando de outro documento com foto, norma que o TSE havia decidido devido a mesma insistente preocupação com  fraudes . O relato foi da Ministra Ellen Grace, às vésperas da eleição, onde evidenciou que a Constituição  impede a colocação de embaraços para a participação política dos eleitores, disse ela:

"exigências cartorárias não podem se sobrepor ao objetivo maior da Constituição. Pelo contrário, a consolidação do regime democrático brasileiro deve vir acompanhada de progressivos esforços normativos para a ampliação da participação dos cidadãos nas eleições, de modo que essas reflitam com a maior precisão possível, a vontade popular." (pg 15 )
Por isso, errou o STF em esquecer de seu papel de guardião da Constituição, e de todos os princípios que nela figuram, e se preocupar com questões de ordem burocrática, impedindo 3,4 milhões de cidadãos de participarem do único momento de efetivo poder. 

Para finalizar, trago a reflexão da Professora Eneida Desiree Salgado, na sua tese de doutoramento

“Como o eleitor brasileiro não se ajusta à sua leitura específica do texto constitucional e da mentalidade política nacional, o Poder Judiciário constrói um eleitor padrão. Como os filósofos, segundo a leitura de Spinoza, “concebem os homens, efetivamente, não tais como são, mas como eles próprios gostariam que fossem”. E como os filósofos, agora com Platão, devem ser os monarcas soberanos, feitos de ouro, capazes de governar com a razão e fazer a humanidade melhor: os filósofos devem governar, estabelecer as leis e aplicar a justiça. Exatamente o papel que o Poder Judiciário se arvora.” 
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