domingo, novembro 05, 2006

Bush, a linha do xinga mãe e o direito de propriedade

Quando eu era criança havia uma maneira de chamar para a briga. Uma criança fazia um risco no chão – com o pé, ou com um graveto- e cuspia na parte do outro ( aquele que se queria chamar para a briga). Esta linha de separação se chamava “linha do xinga mãe”.

O que se queria dizer com o singelo gesto é que havia uma quebra de continuidade na amizade. Havia pairado uma dúvida sobre alguma atitude do outro, e o conflito então era chamado como instância de resolução. A representação deste conflito se dava no desenho de um espaço de exclusão , de separação , de uma linha limite no espaço da amizade em risco.

Quando a gente cresce, a linha torna-se mais sólida e duradoura. Colocamos cercas, fios, muros como forma de deixar claro não somente um conflito. Se o muro é a representação de um sentimento de separação, resulta dele espaços do meu e do não-meu , espaços de pertencimento que a história aprisionou em um direito: o de propriedade.

O direito de propriedade tem data: iniciou com o que chamamos de modernidade, que a gente estabeleceu como início a partir da Revolução Francesa. Não que inexistisse antes disso a noção de pertencimento de algo como sendo de alguém, mas o que ocorreu foi que isso se tornou um direito,por conseguinte, passível de ser exigido seu cumprimento.

Em outras palavras, ter coisas não era uma idéia moderna, mas ter coisas e ter o poder de expulsar o outro de suas coisas, isso sim era uma invenção revolucionária.

Com o direito de ter coisas só para si, o homem precisou delimitar os espaços de seu direito único e excludente, e é o tem feito desde então, com diferentes graus de tecnologia.
Com o tempo, não só os homens particulares lançaram mão deste artifício. O próprio Estado também o fez, na tentativa de manter suas fronteiras livres de inimigos e de organizar seus espaços, suas leis e seu povo. Muitas vezes na história vimos exemplos de muros: o Muro de Berlim,e os que separavam as favelas de Soweto na África do Sul, nos tempos do apartheid são apenas dois exemplos.

Não só de muros de verdade são construídos. Muros jurídicos, de diferentes formas e tamanhos, internacionais, vistos, passaportes, cumprimento de destinos,uma enorme burocracia demonstrando um incindível sentimento de propriedade das riquezas exclusivas de um país exclusivamente para sua população. Se isso normalmente é suficiente, qual seria o motivo de Bush, ao construir um muro , agora sólido e visível?
Qual finalidade seria capaz de gerar uma clareza de exclusão de todos os povos?

Nenhuma estratégia de Estado , porém ,diminui uma certeza. O muro divide. Coloca em espaços separados pessoas ou coisas que não se quer juntos, retoma o mesmo sentimento belicoso da linha do xinga mãe, trazendo para o conflito aberto a certeza da impossibilidade da amizade e do consenso.

6 comentários:

Anônimo disse...

adorei!
e já indiquei aos meus alunos, viu?

Ivson disse...

Oi, mana!
Finalmente saiu, hein? E ficou ótimo! Você acertou o tom direitinho e de primeira! É isso aí!
O rosa é meio boiolinha, mas, afinal, é "blog menina", né? ;)

Bj

Eliana Tavares disse...

A diferença é que quando usávamos a linha do xinga mãe estávamos, na verdade tentando resolver o conflito, nem que saísse alguém de olho roxo. No mundo adulto, porém, existem enormes interesses econômicos e politicos na manutenção de determinados conflitos!
Beijos amada!
P.S. prefiro o rosa hehe...

Anônimo disse...

Andrea,

Ótimo texto! Adorei a comparação. Hoje de manhã um palestrante de Direitos Humanos usou uma ferramenta de estrutura parecida. Falava do conflito potencializado pela comparação de lados (vai ver, os dois lados da linha do xinga mãe). Bem, parabéns pelo blog, e pelos textos!

Beijo!

Anônimo disse...

oi professora,

o blog está ótimo e reflete a sua percepçao crítica do mundo sempre pertinente. Um beijo do seu sempre aluno;

Ricardo Costa

Anônimo disse...

Nem a conheço como gostaria, mas não posso deixar de dizer, após ler os outros, que vejo no azul a imponência da justiça, que por cavalheirismo, num deveria ser propagada pelo feminino.
Raro e singularmente belo, portanto.

Não sei como, mas o "programa" de funcionamento deles é algo perto disso:
Primeiro realize algo!
Depois teorize!
No final, realize algo novamente, contrariando logicamente suas duas ultimas ações, como se a matemática definisse razões compostas por um dividendo e dois divisores.

Tsc,tsc...

Estou, na verdade, esperando eles construirem um muro no Bronx...
quem sabe mais um pouquinho de pensamento positivo e consigo assistir na TV!

Já pensou nos alemães se arrependendo de terem derrubado o muro?! hiahhaiuauuaiaiahius

Meus sinceros parabéns,
Carlos Bastos