
Saiu no Caderno 2 do jornal “A Tarde” de Salvador em 15/09/2007, uma interessante discussão sobre um protesto dos grafiteiros contra o artista plástico Willyans Martins. O artista trabalhou em sua dissertação a “poética do deslocamento” que consiste em, segundo o artista , retirar as obras dos muros e deslocá-las para as galerias. Para executar a proposta, ele aplica uma resina diretamente nos muros grafitados, deslocando parte do trabalho para a galeria onde expõe. (veja as fotos acima. À esquerda, a obra completa. À direita,a mesma obra após a retirada )
Andy Warhol, na década de 70, já utilizava o conceito de “ready made”, ou seja, retirar elementos do cotidiano das pessoas e transportá-los para o campo das artes. Quem não lembra do urinol de Marcel Duchamp?
O protesto dos grafiteiros funda-se três idéias básicas: (I) que não há referência dos autores da obra quando exposta pelo artista na galeria, (II) que é retirada parte da obra , modificando sua essência e, (III) que a obra realizada pelos grafiteiros deve estar na rua, por fazer parte do espaço público.
A discussão ultrapassa a idéia do simples direitos de autor e transita na compreensão da extensão do publico e do privado.
A modernidade se construiu em dois pilares : o direito organizou tudo que havia no mundo entre público e privado, determinando e equacionando as coisas em bens apropriáveis e, conseqüentemente, neste caso, conferindo poder ao sujeito de expulsar a ingerência do outro. O público ficou sendo o “de todos”, mas com um único titular, o poder público, que é um sujeito que administra os bens de todos. Para circular tudo isso, inventou-se o contrato.
O outro pilar foi a economia com base no capital: ela deslocou o padrão universal de troca, para a moeda e para o trabalho, pois antes o homem trabalhava para si e para a comunidade e passou a trabalhar para o outro fazendo apenas pedaços das coisas e recebendo salário em troca.
Neste cenário moderno , o direito tratou a obra do artista meio aos frangalhos porque não cabe nessa lógica: seu trabalho, sua criação, não é apropriável, seu quadro sim. O suporte onde se realiza a obra é o que circula no mundo do capital, mas a criação está protegida integralmente. E como se protege? Colocando o nome (crédito), pedindo autorização ao artista, que pode ou não aceitar a exposição de sua obra.
Os grafiteiros alegam que sua obra só apresenta sentido se o suporte é a rua, onde o muro existe em sua função original. Eles querem dizer mais. O suporte do chamado artista de rua (incluindo aí grafiteiros, palhaços, mímicos, estátuas vivas, atores de teatro, etc) é o espaço. Este é revisitado e reconstruído a cada apresentação, e sua essência artística é a efemeridade do instante público. O espaço aqui ultrapassa ,em muito, o pequeno “espaço público” de que trata o direito em seu padrão baseado no capital. É o espaço cultural, onde o suporte é a forma de ocupação do mundo. O muro então se transforma em outro lugar, em uma grande tela, a rua é o palco do mímico e do palhaço. No entanto, o universo redutor do direito só pode considerá-lo através do conceito de bem cultural, com sua respectiva proteção estatal.
O dano poderia ter sido minimizado se o artista plástico tivesse tido o cuidado de perguntar aos seus colegas, também artistas plásticos (ainda que sem o diploma de mestre), se poderia realizar a exposição, que aí seria um conjunto de obras a partir de outras. Ainda assim perderia parte do seu sentido, porque o objetivo principal do grafitti, criado no interior do movimento hip-hop, é justamente ser colocado na rua e não em galerias. Por outro lado, o direito também precisa rever seus conceitos, considerando como espaços públicos não só aqueles cujo poder de intervenção seja do Estado, mas, sobretudo, aqueles que abrigam todas as formas do viver.
(quem quiser ver os trabalhos e o protesto dos grafiteiros, vá ao site
Andy Warhol, na década de 70, já utilizava o conceito de “ready made”, ou seja, retirar elementos do cotidiano das pessoas e transportá-los para o campo das artes. Quem não lembra do urinol de Marcel Duchamp?
O protesto dos grafiteiros funda-se três idéias básicas: (I) que não há referência dos autores da obra quando exposta pelo artista na galeria, (II) que é retirada parte da obra , modificando sua essência e, (III) que a obra realizada pelos grafiteiros deve estar na rua, por fazer parte do espaço público.
A discussão ultrapassa a idéia do simples direitos de autor e transita na compreensão da extensão do publico e do privado.
A modernidade se construiu em dois pilares : o direito organizou tudo que havia no mundo entre público e privado, determinando e equacionando as coisas em bens apropriáveis e, conseqüentemente, neste caso, conferindo poder ao sujeito de expulsar a ingerência do outro. O público ficou sendo o “de todos”, mas com um único titular, o poder público, que é um sujeito que administra os bens de todos. Para circular tudo isso, inventou-se o contrato.
O outro pilar foi a economia com base no capital: ela deslocou o padrão universal de troca, para a moeda e para o trabalho, pois antes o homem trabalhava para si e para a comunidade e passou a trabalhar para o outro fazendo apenas pedaços das coisas e recebendo salário em troca.
Neste cenário moderno , o direito tratou a obra do artista meio aos frangalhos porque não cabe nessa lógica: seu trabalho, sua criação, não é apropriável, seu quadro sim. O suporte onde se realiza a obra é o que circula no mundo do capital, mas a criação está protegida integralmente. E como se protege? Colocando o nome (crédito), pedindo autorização ao artista, que pode ou não aceitar a exposição de sua obra.
Os grafiteiros alegam que sua obra só apresenta sentido se o suporte é a rua, onde o muro existe em sua função original. Eles querem dizer mais. O suporte do chamado artista de rua (incluindo aí grafiteiros, palhaços, mímicos, estátuas vivas, atores de teatro, etc) é o espaço. Este é revisitado e reconstruído a cada apresentação, e sua essência artística é a efemeridade do instante público. O espaço aqui ultrapassa ,em muito, o pequeno “espaço público” de que trata o direito em seu padrão baseado no capital. É o espaço cultural, onde o suporte é a forma de ocupação do mundo. O muro então se transforma em outro lugar, em uma grande tela, a rua é o palco do mímico e do palhaço. No entanto, o universo redutor do direito só pode considerá-lo através do conceito de bem cultural, com sua respectiva proteção estatal.
O dano poderia ter sido minimizado se o artista plástico tivesse tido o cuidado de perguntar aos seus colegas, também artistas plásticos (ainda que sem o diploma de mestre), se poderia realizar a exposição, que aí seria um conjunto de obras a partir de outras. Ainda assim perderia parte do seu sentido, porque o objetivo principal do grafitti, criado no interior do movimento hip-hop, é justamente ser colocado na rua e não em galerias. Por outro lado, o direito também precisa rever seus conceitos, considerando como espaços públicos não só aqueles cujo poder de intervenção seja do Estado, mas, sobretudo, aqueles que abrigam todas as formas do viver.
(quem quiser ver os trabalhos e o protesto dos grafiteiros, vá ao site