quarta-feira, novembro 28, 2007

Crônica de uma morte anunciada


Gabriel Garcia Márquez relata no livro “Crônica De Uma Morte Anunciada” uma fatalidade ocorrida num interior da Colômbia onde viveu, quando todos sabiam da tragédia que ia acometer um indivíduo e ninguém fez nada para tentar impedir.

Diante das mortes dos torcedores que freqüentavam o estádio da Fonte Nova, em Salvador, no último domingo, dia 25, todos os possíveis responsáveis estão atarantados querendo explicar e, sobretudo, retirar sua culpa no episódio. Todos sabiam ou deviam saber a tragédia que iria acontecer mais cedo ou mais tarde

Foram mortes anunciadas porque era só passar ao lado do estádio e olhar pra cima para ver a total e completa ausência de condição de uso. Foram anunciadas porque o CREA em reportagem recente veiculada em cadeia nacional de TV, colocou a Fonte Nova entre os piores estádios do Brasil (atenção: existem outros!). Foram anunciadas porque houve um pedido de interdição há dois anos atrás , pedido esse que não foi acompanhado pelo Ministério Público nem apreciado pelo juízo.

( Com relação a esse fato, a juiza da 2a Vara de defesa do Consumidor Dra. Lícia Pinto Fragoso Modesto declarou ser incompetente para julgar , remetendo o processo para a Vara da Fazenda Pública. Detalhes ver em http://www.atarde.com.br/esporte/noticia.jsf?id=810469)

Nesse vergonhoso jogo de empurra, o que resta aos torcedores e transeuntes é acionar TODOS os envolvidos na situação, independente de culpa, com base na responsabilidade Civil objetiva presente no Código de Defesa do Consumidor( CDC).

A Lei 8.078 de 11/09/1990 , o chamado Código de Defesa do Consumidor é a legislação pertinente porque a utilização de estádio para evento desportivo é uma relação de consumo de serviço, que deve ser oferecido sem quaisquer vícios ou defeitos. A Lei 10.671 de 15/05/2003, que dispõe sobre o Estatuto do Torcedor estabelece em seu artigo 3º:

“ para todos os efeitos legais, equiparam-se a fornecedor nos termos da Lei 8.078 de 11/09/1990 , a entidade responsável pela organização da competição , bem como a entidade de prática desportiva detentora do mando de jogo.”

A regra é clara: se a relação é de consumo, os 60 mil torcedores presentes ao estádio podem acionar coletivamente, baseados em toda a dinâmica de proteção detalhada em todos os dispositivos da lei 8.078, o Código de Defesa do Consumidor (CDC), lei essa que nasceu vinculada ao cumprimento da Política Nacional das Relações de Consumo, que visa atender as necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança.

Em especial, o artigo 10 do CDC diz expressamente:

o fornecedor não poderá colocar no mercado de consumo produto ou serviço que sabe ou deveria saber apresentar algo grau de nocividade ou periculosidade à saúde e a segurança”

O artigo 14 diz que :

“ o fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa , pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.”

O Código dispõe em sua dinâmica interna, o peso na facilitação ao consumidor da garantia de seus direitos, inclusive permitindo que toda a cadeia de fornecedores do serviço sejam acionados , já que são objetivamente responsáveis ( não precisando portanto de prova de imprudência, imperícia ou negligência). Ao consumidor cabe apenas relacionar o fato ao fornecedor, seja ele direto ou indireto.

Poderíamos pensar assim rapidamente na seguinte seqüência: o Estado da Bahia pelo fato do estádio estar sob sua administração, o Clube do Bahia que tinha o mando de jogo, as associações das torcidas organizadas que se omitiram e deixaram o jogo ser realizado em um estádio sem condição de utilização para os torcedores, o Ministério Público Estadual, que alega ter pedido a interdição do estádio há dois anos atrás e desde então, ao que parece, não encaminhou outras medidas para execução. Sem falar na empresa que foi contratada pelo Estado e que assinou laudo técnico liberando parte do estádio...

O CDC dispõe no Titulo III, Da Defesa do Consumidor em Juízo, diversas possibilidades de ação individual e coletiva para a tutela dos direitos dos consumidores. O artigo 81 e seus incisos abordam, no âmbito coletivo, três ordens de interesses tutelados:

1- O interesse coletivo metaindividual: todos os adquirentes do serviço devem ter a garantia que não sofrerão nenhum dano pelo serviço prestado. Caso o fornecedor não tenha podido prever anteriormente, no momento em que ele pode prever a possibilidade do dano, deve informar imediatamente ao consumidor.

2- O interesse difuso: preserva-se a segurança das pessoas não importando seu número, não só aquelas que vão utilizar o serviço diretamente assim como também a todas as pessoas que estejam no local ou próximo dele.

3- Interesse homogêneo de origem comum: é a pretensão daqueles que já tenham sofrido prejuízos materiais ou pessoais pelo dano, cujo dever é provar a extensão do dano considerado individualmente, ainda que a ação seja coletiva, porque cada um sofreu danos diferentes apesar da origem comum.

No caso do estádio, a compra do ingresso é um contrato de consumo e o fornecedor deve garantir que o consumidor - na entrada, permanência e saída do estádio - esteja em total segurança, pois deve ou deveria saber previamente sobre a integridade e segurança do local. Não só os consumidores que compraram o ingresso e entraram para assistir ao jogo, como aqueles que poderiam em tese estar lá assistindo, ou os transeuntes que por ali estavam passando.

Esses consumidores estão protegidos pela tutela difusa, ou seja, sem necessariamente haver um titular individualizado. Tanto os consumidores que efetivamente pagaram e entraram, como aqueles que potencialmente poderiam consumir o serviço podem argüir essa tutela em seu favor.

Aqueles que tiveram prejuízos, devem estimar a extensão do dano em cada caso e ser individualmente ressarcidos, ainda que tenham optado acionar coletivamente, já que o evento danoso teve uma origem comum. .

Deixem que se preocupem os fornecedores: todos são responsáveis. Aos consumidores resta apenas o pedido de respeito, cuidado e, alguma indenização, que jamais pagará as vidas perdidas e a insanidade que o Poder Público tem revestido suas decisões, colocando cotidianamente todos nós em perigo.

terça-feira, novembro 20, 2007

Dia da Consciência Negra


Caros colegas todos,

Hoje é o Dia da Consciência Negra.


Esse dia está marcado para que lembremos todos , independente da cor externa de nossos corpos, os milhares de corpos negros que construíram nossa história.


Inclusive na região sul do Brasil onde tantos se vangloriam de terem sido colonizados por brancos europeus, foram os negros que, junto com todos os migrantes brancos ( que eram quase pretos de tão pobres..) desbravaram e fizeram esse país tristinho, sujo, mal feito, mas nosso. ..

Assim, a todos os colegas, principalmente aqueles que têm como obrigação profissional julgar, prender, denunciar, defender e ensinar, que pensem nas duas letras baixo. A primeira como um alerta, e a segunda como uma esperança...


Axé a todos!



Haiti ( Caetano Veloso)

" Quando você for convidado pra subir no adro

Da fundação casa de Jorge Amado

Pra ver do alto a fila de soldados, quase todos pretos

Dando porrada na nuca de malandros pretos

De ladrões mulatos e outros quase brancos

Tratados como pretos

Só pra mostrar aos outros quase pretos(E são quase todos pretos)

E aos quase brancos pobres como pretos

Como é que pretos, pobres e mulatos

E quase brancos quase pretos de tão pobres são tratados"


Um sorriso negro ( D. Ivone Lara)

"Um sorriso negro, um abraço negro

Traz felicidade

Negro sem emprego, fica sem sossego

Negro é a raiz da liberdade

Negro é uma cor de respeito

Negro é inspiração

Negro é silêncio, é luto negro é a solução

Negro que já foi escravo

Negro é a voz da verdade

Negro é destino é amor

Negro também é saudade.. (um sorriso negro !)

quarta-feira, novembro 14, 2007

Antecipação da tutela à moda alagoana ou Pede pra sair, Excelência!!!!

Deu no jornal A Tarde do sábado, dia 10/11/07, seção “Últimas Notícias”: O deputado federal Olavo Calheiros, irmão do senador alagoano Renan Calheiros, conseguiu suspensão de publicação de seu nome em matéria jornalística que o atinja direta ou indiretamente. Esta decisão favorável decorreu de um pedido de antecipação dos efeitos da tutela oriunda em uma ação de reparação de danos contra o Jornal “Novo Extra” de Maceió.

Quando um processo inicia, o autor quer provar que o seu direito está sendo ameaçado ou foi ferido por alguém. Ele vai pedir ao juiz que interfira com sua prudência, dizendo que o seu direito – o do autor - é procedente.

O juiz recebe essa petição e inicia o processo. Durante suas fases, vai compreendendo o caso, as alegações, ponderando o que a parte contrária contradita, até chegar a uma decisão final, onde ele vai decidir se o autor tem ou não aquele direito alegado. Se tiver o direito reconhecido, seus efeitos futuros ou passados, passarão a integrar a vida do autor.

Em resumo, o autor pede o reconhecimento de seu direito e os efeitos que esse direito oferece a ele. O juiz vai conceder ou não os efeitos, no todo ou em parte, após o término de todas as etapas do processo.

No inicio dessa conversa com o juiz, o autor pode pedir que os efeitos comecem imediatamente, desde que ele prove inequivocamente que haverá um dano irreparável ou de difícil reparação, que fique reconhecido o abuso do direito de defesa ou que o réu esteja protelando o processo.

O artigo 273 do Código de Processo Civil (CPC) trata desta situação, e indica que o juiz pode conferir a tutela dos efeitos antecipadamente se estiver completamente convencido da verossimilhança da alegação, mostrando a razão de seu convencimento.

O mesmo artigo em seu segundo parágrafo diz o seguinte:

”não se concederá a antecipação da tutela quando houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipado.”

O juiz, portanto, está proibido de conceder a antecipação da tutela pretendida na petição inicial se o efeito que ele venha a conceder antes do final do processo não poder ser retomado posteriormente, ainda que esteja convencido da verossimilhança da alegação.

Isso é claro porque o que será concedido antecipadamente são os efeitos de um direito que o autor alega, e o juiz não pode saber ainda - pois está no inicio do processo - se ele tem ou terá confirmado este direito. Se a decisão no final do processo for no sentido da não existência do direito do autor, inexistirá também o efeito deste direito. Portanto o efeito a ser antecipado deverá ser do tipo que possa ser apagado, retirado sem causar dano à sociedade.

O que se quer dizer é que ainda que todos os requisitos estejam corretos, ainda que o autor prove que haverá dano irreparável ou de difícil reparação, que haja abuso, etc etc. ainda que o juiz se convença, ele NÃO PODERÁ CONFERIR TUTELA ANTECIPADA SE O EFEITO NÃO PUDER SER RETOMADO NO FIM DO PROCESSO.

No caso em pauta, o pedido do autor foi que o juiz interferisse desde logo, impedindo a publicação do seu nome em matéria jornalística que o atingisse direta ou indiretamente. A grande pergunta a ser formulada pelo juiz deveria ser a seguinte:

Se eu conceder esse efeito agora, eu poderei retirá-lo após o término do processo sem nenhum dano à sociedade, no caso do direito do autor seja provado improcedente?

Em linhas gerais, impedir a publicação de matéria de um homem público em um jornal pelo tempo que durar o processo, pode vir a causar uns danos irreparáveis à sociedade, que também será frustrada de sua garantia fundamental constitucional de acesso à informação descrita no artigo 5º, XIV, entre outros.

Do ponto de vista processual, a decisão fere o parágrafo segundo do artigo 273 do CPC, pois ainda que o direito do autor fosse no final do processo considerado improcedente, ele já teria se beneficiado dos anos e anos de exclusão de seu nome da observação pública. O provimento antecipado seria, portanto, irreversível.

Errou a juíza Maria Valéria Lins Calheiros. E errou mais gravemente por não ter declinado de suas funções no processo: em Alagoas, mesmo sobrenome é motivo suficiente para declarar-se impedida ou pelo menos, suspeita de parcialidade.

Como diria Capitão Nascimento: pede pra sair, Excelência...